Morreu o Historiador...

José Mattoso [1933-2023] permanecerá sempre como um historiador que será discutido, porque também discutiu a História. É esta a melhor forma de o lembrar, como sucedeu com Herculano.

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José Mattoso não era, evidentemente, o único historiador vivo, mas era o Historiador… Por outras palavras: foi dos poucos historiadores capazes de se impor no panorama de uma cidade sem História neste tempo presentista, criando a imagem de que a História é uma Ciência para além da Memória e da Ideologia, que se deveria impor no espaço cultural e que não deveria ser arrumada no guarda-chuva das Ciências ou das Artes Sociais. Não quero dizer que tentou fazer da História “uma Ciência de rigor” (como Husserl quis fazer da Filosofia com a sua teoria fenomenológica), mas uma Ciência objectiva, autónoma e ao mesmo tempo interdisciplinar. Não uma pura narração, mas uma narrativa interpretativa.

Foi fundamentalmente um medievalista, mas, muito mais do que isso, nunca se deixou seduzir pela via “religiosa” que a Época Medieval parece inspirar. Pensou a Idade Média como uma época fundamental da História com os seus pontos obscuros e luminosos sem entrar em notas caracterizadoras de tribunal ou de santificação e “heroicização”. Os seus livros foram fundamentais para identificar um país ou para identificar um país no mundo.

Discutiu a História, sem grandes interpretações teóricas e procurou criar uma História de Portugal que fosse suficientemente objectiva mas interrogativa, reflectida por cada um, ou por cada grupo de historiadores, em função do seu pensamento, sem uniformidade metodológica.

É assim que o vejo, eu que com ele colaborei e que fui seu amigo até ao fim, quando pouco já se falava dele, a não ser agora que passou para outro tempo. Permanecerá, assim, sempre como um historiador que será discutido, porque também discutiu a História. É esta a melhor forma de o lembrar, como sucedeu com Herculano. Pena é que não se recordem também outros historiadores que passaram para outra história e que deveriam permanecer na nossa memória cultural e serem interrogados para além da morte, que também é vida.

Foi só isto que consegui dizer do meu amigo e colega José Mattoso neste dia da sua morte. Porém, muito mais se dirá, porventura em certos casos como simples retórica de ocasião.

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