Não há FOMO que não dê em fartura

De onde vem este medo de não estar, de não ver, de não viver tudo o que nos aparece à frente? Podemos nós amordaçá-lo e deixar a nossa individualidade levar a melhor?

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Megafone P3: Não há FOMO que não dê em fartura Askar Abayev/Pexels
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A necessidade aguça o engenho. A prática faz o mestre. E a fome? Dá sempre em fartura? Não. Porém, este FOMO (Fear Of Missing Out) leva-nos a procurar a fartura. A correr atrás dela. A olhar para todos os lados antes de atravessar a passadeira do “não fui, fiquei em casa” ou o trânsito do “foi incrível, devias ter ido”.

Há um airbag a soltar-se. Choque frontal com o nosso mundo movimentado. É uma colisão inevitável e indesejada, mas que nos vai esmagar. Vamos sentir o peso da culpa — ó, grande desconsolo! — por não termos aparecido. Por se ter deixado acabar a Feira Internacional de Folhas de Jacarandá sem termos ido.

Com o telemóvel em punho para registar o momento e utilizarmos o mais conhecido carimbo do “Eu fui. Eu estive lá” — as redes sociais, claro está. Sem isso, ninguém foi. Também se pode fazer uma tatuagem com a data em numeração romana para celebrar o evento. Deixo a ideia de negócio, tatuadores.

De onde vem este medo de não estar, de não ver, de não viver tudo o que nos aparece à frente? Podemos nós amordaçá-lo e deixar a nossa individualidade levar a melhor? Ou será esta avalanche de eventos, festas, actividades, concertos, simpósios, congressos, exposições, feiras, festivais, arraiais ou simples aglomerados de pessoas demasiado constante para a travarmos? A questão principal é: queremos fazê-lo?

Comecemos por desmontar o estrangeirismo. O que é então isto do FOMO, ou por extenso, Fear Of Missing Out? Esta catarse opinativa não pretende ser um texto sobre etimologia, por esse motivo, fiquemos com a curta explicação saída directamente da ponta dos meus dois indicadores: urgência de comparecer, medo de falhar algum evento, pavor de ver alguém a divertir-se e nós não, desmotivação por ter ocorrido um acontecimento onde dois dos nossos seis amigos foram e nós não estamos lá; necessidade de consumir cultura popular ou qualquer arraial com bancas e com luzes. E brindes, nunca esquecer.

As causas podem ser muitas, as dores idem, a patologia — vamos assumir como algo patológico desta era de avalanche informativa — não, não difere. É sempre a nossa ansiedade a falar mais alto e os seus gritos a fazerem-nos sentir num turbilhão de sensações, por pensarmos na vida como uma competição. Como uma corrida na qual teremos sempre alguém na pole position e por mais passos dados, jamais chegaremos à frente.

Comparecemos sem saber do que se trata. Temos uma ideia, vimos umas fotos ou ouvimos nos últimos 35 minutos de um qualquer telejornal tão extenso como a Maratona de Patins em Linha que houve há umas semanas no Funchal — à qual assisti, claro. Muitas vezes aparecemos sem saber o que é, onde estamos, o que expõe ou qualquer referência além de um story partilhado por alguém com zero gostos em comum connosco.

Pessoa que sai muito, faz muito, partilha muito, esse espírito descrito sempre por nós como: livre, vivido, exemplo a seguir. Sem nos dignarmos a indagar o motivo dessa necessidade de partilha ou de se valerá mesmo a pena estar. Quando está lá alguém, urge a vontade vital de marcar presença. Nunca podemos ser nós “os que não foram”. Faz falta o sentido crítico, aquele eterno desestabilizador de rebanhos sociais.

Existe sempre o outro lado da barricada. Pessoas com ansiedade social nos píncaros e que categorizam locais onde se juntem mais de quatro pessoas, e não sejam uma caixa Multibanco para pagar as contas, como uma enchente, indo logo à mala ou à carteira buscar o Valdispert. Ou outro ansiolítico prescrito.

Estão a tentar proteger-se dessas publicações petardos com os quais vão sendo assolados diariamente, de sítios onde só olhar ao longe já causa uma urticária similar a quem queria ter ido, mas não foi. No entanto, não é lugar para eles. Escrevemos aqui sobre os colectores de brindes, os bebedores de cerveja brega, os instagrammers profissionais, os foliões emergentes, os irrequietos, os lobitos desta alcateia de massas.

O sentimento de culpa será sempre proporcional à medida da ansiedade sentida na hora de (não) comparecer. O repto é simples: traçar o nosso calendário de actividades fugindo ao peso imposto pela sociedade e da sua “obrigação a estar”. À nossa velocidade, com o nosso metrónomo a ditar o compasso a seguir.

É importante dar mais azo à procura, ao esgravatar iniciativas do nosso interesse ou simplesmente a existir num lado confortável de nós, tão pouco explorado nestes últimos tempos. Sem pressas, urgências ou este FOMO, que com tanta fartura, só dará em mais fome. A comparação só servirá para nos colocar num lugar menos feliz, mais turbulento e menos saudável.

Tentaremos ir, para mostrar ao mundo a nossa presença, não para usufruir. Faz falta esse crivo de identidade, tão perdido nessas ondas de tweets, posts, stories, publicações, artigos, ou divagações online. Devemos sempre ir quando nos fizer sentido e não devemos deixar a Estrela Polar do “Medo de Ficar de Fora” ser o nosso destino.

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