Há por aí alguém que pense nas grávidas e nos bebés?
Tal como não se aconselha a adoecer no Algarve no Verão, talvez o melhor seja usar contraceptivos entre Setembro e Dezembro. Ou esperar que esta confusão acabe.
O cenário não será difícil de imaginar. Uma mulher grávida de 38 semanas que pode entrar em trabalho de parto a qualquer momento e vive na Área Metropolitana de Lisboa. A gravidez correu bem, foi acompanhada e, durante algum tempo, esta mulher ou este casal pensou e reflectiu sobre a forma como gostaria que o seu bebé nascesse e qual a instituição de saúde que mais se adequava aos seus desejos e receios.
(Sim, as mulheres têm coisas a dizer e a decidir sobre o seu parto.)
É Julho, e a mulher entra em trabalho de parto espontaneamente (que é o que acontece, ou deveria acontecer, na maioria dos casos). Foi um pouco sem avisar, não tinha tido grandes sinais, mas aconteceu. São duas da manhã de um sábado.
A partir daqui, o que recomenda o senhor ministro da Saúde que esta mulher faça? Ora então, que vá para a Internet ver que hospital está a funcionar naquele dia. Com sorte, o documento está correcto. Com sorte, está aberto o hospital que ela conhece, onde já foi a visitas pré-parto, onde fez os cursos de preparação, onde trabalham os enfermeiros especialistas que já falaram com ela, onde sabe que soluções há para o alívio da dor, qual a taxa de cesarianas, onde não há relatos de violência obstétrica, onde sabe que o seu plano de parto (caso o tenha) será respeitado se nada de contrário acontecer durante o processo que necessite de levar o nascimento numa outra direcção, onde tem todas as garantias de segurança caso algo corra mal, seja para ela, seja para o bebé.
Mas teve azar. O hospital que conhece, que tinha escolhido com mais cuidado do que um qualquer babyshower importado, não está aberto naquele dia. E ela não pode esperar. O trabalho de parto acelera e já não há como estar em frente do computador. Entra-se no carro ou chama-se o INEM.
Grávida e acompanhante seguem caminho sem saber quem os vai receber, como vão ser acompanhados, se o acompanhante poderá estar sempre com a mulher, se poderá assistir caso haja necessidade de uma cesariana. E se tiver de haver uma cesariana? O bebé poderá ser logo amamentado? E se houver um problema com o bebé? O hospital tem cuidados neonatais?
E se tudo estiver a correr bem com o parto e esta mulher quiser ter um parto natural, sem ser submetida a uma episiotomia (corte dos tecidos vaginais) sem indicação clínica? E se quiser ter liberdade de movimentos durante a dilatação? E se não quiser que lhe dêem drogas para acelerar o parto? E se não quiser epidural? Que outros meios existem para diminuir a dor? E o parto será assistido por quem? Por médicos? Por enfermeiros especialistas? E quando o bebé nascer, este hospital é pró-amamentação? O bebé fica sempre junto da mãe? E se não puder ficar, caso haja algum problema, o acompanhante pode ir sempre com o bebé?
Diria quem dá pouca importância a tantas destas coisas: mas se há segurança, se mãe e bebé ficam bem, então está tudo bem. Errado. O parto e o nascimento não se esgotam quando mãe e filho saem do hospital vivos. Deixam marcas, num e noutro. Que podem ser muito positivas, mas que podem ser negativas e prolongar-se no tempo e na saúde de mãe e filho. A depressão pós-parto não acontece nas 72 horas em que a mãe está no hospital; os desafios de amamentação podem surgir depois disso; os problemas de saúde sexual também ficam para mais tarde. O que acontece num parto pode influenciar a gravidez seguinte, pode influenciar a vontade de o casal ter mais filhos, pode deixar traumas, pode deixar sequelas físicas.
Mas seguimos nestas discussões diárias, nas guerras entre médicos e direcções de hospitais, nas "birras" da Ordem com uma orientação da DGS que só vem pôr no papel o que já acontece na maioria das maternidades do país (serem os enfermeiros a realizar partos de baixo risco), no SNS a gastar dinheiro a transportar médicos pagos a cem euros por hora ou a pagar partos em hospitais privados.
Aguarda-se a qualquer momento uma declaração de um responsável da Saúde a dizer às mulheres que é melhor planearem com mais cuidado a gravidez: tal como não se aconselha a adoecer no Algarve no Verão, o melhor é usar contraceptivos entre Setembro e Dezembro. Ou esperar que esta confusão acabe.