Acelerar partículas para espreitar os primeiros instantes do Universo
O estudo das colisões entre partículas de luz energéticas permite olhar para os constituintes da matéria e investigar a física que dominava o nosso Universo há milhares de milhões de anos.
E se a física que conhecemos não descrevesse o Universo primordial? Sabemos que o nosso Universo está em constante evolução. Há milhares de milhões de anos, o seu conteúdo energético era muito maior e as leis da física eram profundamente diferentes. No entanto, até ao século passado os investigadores dedicaram-se ao estudo da física do Universo no seu atual estado de desenvolvimento. Só a partir de meados do século XX, com o desenvolvimento de novas tecnologias, foi possível desenhar experiências cujo ambicioso objetivo é estudar a física da primeira batida do coração do Universo.
Foi com este espírito que foi fundado o CERN, o maior laboratório de física de partículas do mundo, uma organização científica internacional situada na fronteira entre a Suíça e a França. E é realmente aí que tudo começa: feixes de protões são acelerados até alcançarem uma velocidade próxima da luz. Em seguida, os protões colidem. Os produtos da colisão permitem-nos estudar o mundo à nossa volta de várias formas diferentes.
É isso que se faz, no LIP [fundado em Portugal, em 1986, por José Mariano Gago juntamente com Gaspar Barreira e Armando Policarpo] e em laboratórios espalhados por todo o mundo, com os dados que são recolhidos pelos detetores de partículas — os olhos através dos quais observamos o resultado da interação.
Para lá dos fotões que nos bronzeiam na praia
Neste projeto, vamos um pouco mais longe: os aceleradores do CERN são utilizados como fábrica de fotões — partículas exatamente como as que formam a luz. Só que a luz produzida nestas colisões entre protões tem uma energia cem milhares de milhões de vezes superior à energia dos fotões que nos bronzeiam na praia.
Estes fotões de alta energia vão, por sua vez, interagir e criar novas partículas. Interessa-nos precisamente o resultado das interações entre fotões criados nas colisões de protões. É uma outra forma de explorar a interação entre os constituintes da matéria — uma outra perspetiva sobre o início do Universo.
Assim, neste projeto de doutoramento, estuda-se a interação entre fotões num regime energético compatível com o Universo primordial. O trabalho está ainda em curso, e o processo em estudo é muito raro. Ainda assim, foram já observadas 20 colisões deste tipo. O seu estudo detalhado permitirá conhecer mais em detalhe este processo às energias mais elevadas.
Embora possa parecer tudo muito abstrato, a verdade é que as interações têm um papel central no nosso dia a dia, em particular para criar estruturas organizadas: numa empresa, por exemplo, a interação entre os colaboradores, nas reuniões, permite definir uma estratégia para contribuir para o desenvolvimento da companhia. Da mesma forma, seria totalmente impossível criar estruturas complexas como os núcleos sem comunicação. Por tudo isto, estudar a produção de luz nestes processos é como iluminar a escuridão do Universo primordial, indo à procura das interações que criaram os núcleos, as moléculas, as galáxias e, por fim, a vida.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Aluno de doutoramento no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e investigador no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP)