Salva-te, poupa água

Parte do Governo a responsabilidade de criar e implementar uma estratégia para o problema da seca? Sim. Mas todos podemos introduzir (e já) pequenos hábitos no nosso quotidiano.

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"Tenho sedo e fome, de novo. A fila para a água é cada vez mais extensa. Esta manhã, contei quantas pessoas estavam à nossa frente, ou tentei contar, porque eram mais de quarenta e não as contei ao certo."

Assim se inicia Cadernos da Água, o livro de João Reis (recomendo estrondosamente), uma distopia ou uma ficção especulativa, como o próprio autor prefere designar, que é, acima de tudo, a projecção de uma realidade que desejo que nunca se concretize.

Neste mundo futuro de João Reis, a nação valente, imortal, desapareceu. Portugal é um deserto; os portugueses, migrantes, num campo de refugiados simpaticamente designado por "centro de acolhimento".

"Podemos beber dois e três copos de cada vez. É suposto bebermos apenas um por ocasião, num total de 2,5 L per dygn, diz no papel de plástico —, para evitar ajuntamentos, mas, por vezes, bebemos mais. Atingido o limite diário de uma pessoa, a torneira não se abre, de nada adianta passar a pulseira pelo leitor digital".

Lembro-me, quando tinha a idade da minha filha mais velha e ainda contava os anos de vida pelos dedos das duas mãos, de um período de corte de fornecimento de água devido a problemas no sistema de abastecimento. Foi há demasiado tempo, mas recordo-me da sensação miserável de rodar a torneira e nada (eis um momento traumático da minha infância).

O gesto quotidiano de sentir a água a brotar não acontecer, a visão dos garrafões de plástico de cinco litros amontoados pelo corredor da casa, a imposição do uso racionado para banhos de gato e de contar as escovadelas de dentes ou ainda testemunhar a minha mãe cozinhar as batatas quase a vapor. E lembro-me de, com tremenda felicidade, assistir ao retorno do líquido precioso, aos solavancos, barrento, em coágulos amarelos, mas novamente ao alcance do capricho de abrir uma torneira.

Vivo no Algarve, uma das regiões do país mais afectadas pelos períodos de seca. Os impactos sentem-se no sector agrícola, hidrológico e, se não se passar de uma actuação reactiva, a uma atenção permanente no problema, sentiremos também um impacto social, com eventuais cortes de fornecimento. Não desejo que as minhas filhas criem memórias infelizes como esta que lhe relatei.

Parte do Governo a responsabilidade de criar e implementar uma estratégia para o problema da seca? Sim. Mas todos podemos introduzir (e já) pequenos hábitos no nosso quotidiano. Ter a consciência da quantidade de água que gastamos é fundamental.

De acordo com a informação expressa num panfleto das Águas de Portugal (que as minhas filhas receberam aquando de uma recente visita de estudo à ETAR da Companheira, em Portimão) em Portugal, cada pessoa consome, em média, 187 litros de água por dia, bem mais do que os 110 litros que as Nações Unidas calculam ser a quantidade de água que um ser humano precisa para satisfazer as suas necessidades básicas diárias. Em casa, introduzimos cinco novos comportamentos que envolvem toda a família:

— Em vez da lavagem dos dentes com a torneira sempre aberta, agora todos usamos um copo.

— Colocámos na zona do chuveiro uma ampulheta que conta cinco minutos — o tempo exacto da duração do duche —, que podemos pausar enquanto fechamos a torneira e nos ensaboamos. Um presente da Águas do Algarve, que espero venha a ser distribuído pelos munícipes.

— Temos um balde na casa de banho para recolher a água do duche fria até que venha a quente. Reutilizamos esta água no autoclismo.

— Recolhemos a água da lavagem das hortaliças e usamos para regar as plantas.

— Lavamos a louça na máquina com a carga completa ou fazemos lavagem manual com a torneira fechada utilizando um alguidar.

Simples, acessível e fácil de implementar. Termino estas linhas como comecei, com uma citação do mundo ficcional, violento, árido, bélico, triste, dos Cadernos da Água de João Reis que, espero, nunca saia das páginas do seu livro para o mundo que conhecemos:"As atitudes belicistas e pouco amistosas dos países e dos seus líderes tiveram, sem dúvida, como fundamento real a cada vez maior escassez de água potável e a inundação de várias cidades e regiões costeiras".

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