Pode o exercício físico trazer benefícios cognitivos?
A aptidão física tem sido reconhecida como fator facilitador para reduzir o risco de saúde física e mental, estando também documentado o seu impacto no bem-estar.
A inatividade física entre crianças e jovens tem vindo a aumentar, contrariando as recomendações internacionais quanto à necessidade de atividade motora regular. Começou por se estudar a relação da atividade física com a saúde e o bem-estar, mas a investigação científica tem-se focado na procura dos benefícios cognitivos trazidos pelo exercício físico. Os dados ainda não são totalmente claros quanto ao tipo e à intensidade ideal de exercício, mas tudo aponta para que saber mexer o corpo também seja o melhor para pensar.
Com o aumento da prevalência de comportamentos sedentários, a inatividade física é um dos fatores de maior risco no surgimento de problemas de saúde que poderiam ser evitáveis. Os apelos mundiais a que se aumente a prática de atividade física são cada vez mais evidentes. No entanto, ainda falham os princípios primários de mudança de comportamento que levam a incluir a atividade física na rotina ao longo da vida.
No caso das crianças e jovens, levanta-se uma especial preocupação, pois a atividade física na infância e na adolescência influencia a qualidade de vida posterior. Para a população infantojuvenil, as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam uma média de 60 minutos de atividade física aeróbica moderada por dia. No último relatório da OMS, os adolescentes (rapazes entre 11 e 17 anos) apresentam níveis de inatividade de 78%, percentagem que chega aos 91% nas raparigas.
A aptidão física tem sido reconhecida como fator facilitador para reduzir o risco de saúde física e mental, estando também documentado o seu impacto no bem-estar. Só mais recentemente se começaram a discutir os potenciais benefícios cognitivos do exercício físico. Mas como pode a aptidão física facilitar o desempenho cognitivo e académico? Uma explicação é a hipótese da aptidão cardiovascular, isto é, a atividade física pode produzir mudanças estruturais e funcionais no cérebro, com efeito positivo nas capacidades de atenção e de funcionamento executivo.
O investigador norte-americano Charles Hillman e seus colaboradores conduziram, em 2009, um dos primeiros estudos e mais citados nesta área, no qual verificaram que as sessões únicas de exercícios aeróbicos moderadamente intensos melhoravam o controlo cognitivo em pré-adolescentes. Estes apresentavam melhores desempenhos nas tarefas da atenção do que os seus pares que, durante o mesmo período, não tinham realizado os mesmos exercícios.
Mais recentemente, numa pesquisa também liderada por Hillman, descobriu-se que, em geral, as crianças — com exceção das que tinham obesidade — experimentavam um salto no desempenho cognitivo na hora imediatamente após o exercício. Nas crianças de 8 a 11 anos, as que apresentavam um índice de massa corporal mais alto não conseguiam obter um ganho cognitivo após 20 minutos de exercício. A capacidade de resistência e o nível prévio de preparação física, por um lado, e o tipo e duração de exercícios, por outro, parecem poder influenciar os benefícios cognitivos esperados, razão por que se continua a investigar nesta área.
Nem todos os estudos têm sido consistentes devido a uma série de fatores demográficos e condições experimentais. Alguns não chegam a verificar resultados significativos na transferência para o desempenho escolar, como, por exemplo, na matemática; outros destacam curtos intervalos e sessões de 12 minutos de exercício como suficientes para modificar a atenção e a compreensão da leitura em crianças e adolescentes com desenvolvimento típico e atípico.
Outra discussão a considerar sobre a relação da atividade física com o desempenho escolar relaciona-se com o próprio tempo letivo da Educação Física. As investigadoras Ana Maria Abreu e Isolina Frade fizeram um estudo piloto com mais de 200 horários de oito escolas da Grande Lisboa e verificaram que, na maioria, a aula de Educação Física estaria no período da tarde, ainda que as recomendações internacionais sejam que este tipo de atividade seja preferencialmente matinal. Já a perceção dos professores sobre a agitação dos alunos após uma aula desta disciplina suscita também uma reflexão quanto às oportunidades que se podem criar e não são totalmente aproveitadas. A fim de aumentar a atividade física nas crianças e jovens, discute-se atualmente em vários países os tempos e o número de aulas regulares de Educação Física na escola.
Enquanto esperamos pelo engrossar da literatura científica, podemos perceber que o valor da atividade física é reconhecido até nos smartwatches, que nos felicitam se fizermos dez mil passos por dia e nos avisam para andarmos um pouco após uma hora sentado. A atual questão é: e as crianças e os jovens, quem os avisa?
Artigo em parceria com Teresa e Alexandre Soares dos Santos – Iniciativa Educação.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990