Ao longo do último ano, mais ou menos, parece que explorámos um pouco mais o nosso lado emocional. Temos estado silenciosamente a desistir de empregos – e a candidatarmo-nos furiosamente a outros. A educação que damos aos nossos filhos? É suave. Os nossos hábitos de bebida? São “húmidos” ou “damp” – ou seja, não estamos totalmente secos, mas bebemos com moderação. A forma como comemos? É intuitiva. As nossas frases feitas? Constantemente a evoluir.
Há um estilo de frase, em particular, que parece ter pegado no mundo anglo-saxónico, e, à falta de um termo melhor, vamos cunhá-lo com um novo nome: o “gerundismo” de adjectivos. Serve para descrever um fenómeno traduzido (normalmente) por um adjectivo e uma palavra terminada em "ing", no inglês (o equivalente a "ando" no português). O resultado é uma fórmula não só cativante, como muito fácil de ser transformada numa hashtag do Instagram ou do Tiktok, e logo captada e difundida pelos meios de comunicação social.
Ainda que em português não aconteça o mesmo fenómeno, a expressão desistência silenciosa (ou quiet quitting, em inglês) é um exemplo perfeito deste fenómeno. Apesar de as pessoas o praticarem desde sempre, ou seja, muitas vezes não fazerem mais do aquilo para que foram contratadas – trabalhar de acordo com as regras, na linguagem laboral –, a expressão ganhou uma nova vida ao tornar-se viral graças às redes sociais. Dominou as manchetes num ano em que as relações das pessoas com os seus empregos estavam a mudar. A desistência silenciosa deu lugar ao despedimento silencioso (quiet firing), à prosperidade silenciosa (quiet thriving) e, mais recentemente, à candidatura furiosa (rage applying), que é quando odiamos tanto o nosso emprego que nos candidatamos a uma série de outros, procurando qualquer fuga. (Ok, sim, "fúria" é o mais estranho aqui, porque é um substantivo, mas encaixa no padrão).
Entretanto, noutro canto da Internet, os pais da geração millennial estão a seguir criadores de conteúdos como a "Dra. Becky", a "Dra. Siggie" ou Big Little Feelings – todas defensoras daquilo a que se chama uma “educação suave” (gentle parenting). A abordagem centra-se na identificação dos pais com as emoções das crianças e no tipo de reacção, ou seja, a utilização de consequências naturais em vez do emprego de castigos. "Vejo que estás chateado por causa da tigela verde. Sentes-te triste e não há problema com isso”, diz um guião de Big Little Feelings para lidar com a birra comum de uma criança por ter recebido o tipo errado de tigela.
À primeira vista, pode parecer que estas mentalidades não estão relacionadas, mas têm mais em comum do que a forma como estes termos são criados.
"Na verdade, estão todos muito relacionados. São todas escolhas de estilo de vida", diz Nicole Holliday, professora assistente de linguística e ciências cognitivas no Pomona College, na Califórnia. Cada nova iteração do “gerundismo” de adjectivos diz respeito à "reorganização das nossas vidas sociais e profissionais".
O “gerundismo” de adjectivos é a forma como descrevemos os processos emocionais subjacentes às nossas escolhas colectivas. Todas estas frases virais partilham uma camada de intencionalidade ou de atenção que acrescenta um significado adicional e que ajuda os utilizadores das redes sociais a usar essas frases para formar as suas identidades. E agora que se tornou um padrão, o formato actual do "gerundismo" de adjectivos em inglês comunica esse contexto adicional – de que não estamos só a fazer as coisas de forma diferente, também estamos a pensar de forma diferente.
Estilo de vida “húmido”
Veja-se o caso do damp drinking ("bebida húmida", numa tradução literal), uma das mais recentes frases com “gerundismo” de adjectivos utilizadas pelos meios de comunicação social norte-americanos. Hana Danly, 25 anos, de Nova Iorque, é a responsável pela popularização do termo no TikTok, em vídeos que faz sobre a forma como tem vindo a repensar o seu consumo de álcool – mas sem o cortar totalmente.
"Foi mais uma questão de cunhar o termo para iniciar um discurso e uma conversa sobre a possibilidade de trabalhar a nossa relação com o álcool e de ter uma comunidade para falar sobre isso", diz Danly. O estilo de vida “húmido”, como ela lhe chama, não se limita a beber com moderação; trata-se de "ser capaz de compreender verdadeiramente o que nos faz ser nós próprios quando saímos à noite e sermos sociais".
Da mesma forma, os meios de comunicação social fizeram ressurgir o termo "alimentação intuitiva" (intuitive eating), que descreve a atitude de evitar dietas rígidas em favor de comer até à saciedade e de ouvir o corpo e as emoções. Duas nutricionistas, Evelyn Tribole e Elyse Resch, afirmam ter cunhado o termo em 1995, e já tem mais de 2 mil milhões de visualizações no TikTok.
Recentemente, uma outra frase foi transferida do TikTok para os media: "apodrecer na cama" (ou bed rotting), a prática de ficar deitado na cama sem fazer nada o dia todo, como autocuidado. (Sim, "cama" é outro substantivo. Nós sabemos.) É um pouco como o enredo do livro O meu ano de repouso e relaxamento de Ottessa Moshfegh, mas com menos drogas e mais aconchego, com snacks e o telemóvel. No TikTok, "bedrotting" tem mais de 450 milhões de visualizações. A cobertura do fenómeno foi acompanhada por críticas de psicólogos sobre a sobreposição entre apodrecer na cama e sofrer um episódio depressivo grave.
A psicologia é o que torna estes termos diferentes de outras combinações do inglês entre adjectivo e gerúndio, como limpeza a seco (dry cleaning no original) ou conduzir embriagado (drunk driving).
"Todas elas parecem estar mais ancoradas na ideia das emoções da pessoa que está a fazer a acção", diz Jessica Rett, professora de linguística na Universidade da Califórnia em Los Angeles. São uma "forma relativamente abreviada de explicar o que estamos a fazer enquanto explicamos as nossas razões ou os nossos objectivos".
Não é um fenómeno novo
Se tudo isto parece um pouco pateta, considere que talvez Gwyneth Paltrow o tenha feito melhor, com um exemplo precoce deste fenómeno: o seu famoso comentário de que ela e o cantor dos Coldplay, Chris Martin, estavam a passar por um "desacoplamento consciente" (conscious uncoupling, no original). (Também conhecido por estar a divorciar-se – um divórcio mútuo e civil).
"Está a explicar esse tipo de maneira, neste caso, em que aconteceu. Por isso, está definitivamente a acrescentar uma camada de emoção deliberada e informada", diz Rett. "Talvez seja isto que estamos a fazer, agora que estamos todos mais em sintonia connosco próprios."
Ou, por vezes, é um acidente. Bryan Creely é uma das pessoas a quem se atribui a criação do termo quiet quitting – o economista Mark Boldger também o reivindica – embora não tenha sido algo que Creely quisesse fazer.
"Sinto-me um pouco estranho ao receber crédito por isso", admite. Coach de carreiras e criador de conteúdos, Creely estava a analisar as características de um mercado de trabalho em que os trabalhadores estavam a ser solicitados a fazer cada vez mais e estavam a ficar desmotivados. Diz que o termo lhe veio à cabeça no momento. Com todos os termos derivados, como quiet thriving ("prosperidade silenciosa") ou making mental shifts ("mudanças mentais"), para o ajudar a sentir-se mais empenhado no trabalho, "ganhou vida própria".
Mas concorda que existe uma componente emocional. Alguns críticos da frase feita dizem que já temos uma expressão para a desistência silenciosa: chama-se "desleixo". Mas Creely acredita que não são sinónimos: "Há uma linha muito ténue entre o desleixo, que significa que não estamos a fazer as coisas que devíamos estar a fazer, e fazer o mínimo aceitável", diz. O “gerundismo” de adjectivos é um manifesto de duas palavras.
Todas as frases com “gerundismo” de adjectivos descrevem processos a longo prazo. Não se desiste num dia. A educação suave leva pelo menos 18 anos. “Bebida húmida” pode ser algo que se faz durante toda a vida adulta. Além disso, as frases feitas sobre o local de trabalho e a dieta atravessaram gerações, cativando utilizadores mais velhos e mais novos das redes sociais.
"Parecem captar algo quase universal", diz Sylvia Sierra, professora associada de Comunicação e Estudos Retóricos na Universidade de Syracuse, por email. "As pessoas consideram-nas úteis e precisas para descrever um comportamento e, por isso, espalham-se por todas as idades."
E é possível que vejamos mais destas frases, com o continuar do movimento de introspecção que começou com a pandemia de covid-19. Hoje em dia, toda a gente vai à terapia.
Poderíamos perguntar-nos: "Por que razão são estes os fenómenos que temos de nomear? E o que é que mudou no mundo para sentirmos que precisamos de um nome para isso?", questiona Rett, sugerindo que se abra caminho para o questionamento consciente (ou conscious questioning).
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post