O abuso de poderes de representação
O abuso de representação traduz-se numa situação, em que o procurador atua dentro dos limites formais dos poderes de representação, mas em que, materialmente, atua em sentido diferente.
A lei permite que uma pessoa atribua a outra, de forma voluntária, poderes representativos, outorgando a favor dessa pessoa uma procuração que, dependendo do conteúdo da procuração, permitirá ao procurador agir em diversas situações, em nome da pessoa representada.
O procurador que atua nestes termos deverá fazê-lo dentro dos limites que a procuração lhe confere, sendo que se, na sua atuação, não respeitar os mesmos, estará numa situação de abuso de representação, a qual se encontra prevista no artigo 269.º do Código Civil.
Em regra, o abuso de representação traduz-se numa situação, em que o procurador atua dentro dos limites formais dos poderes de representação, mas em que, materialmente, atua em sentido diferente dos fins dos poderes de representação que lhe foram conferidos. Mais, o procurador deve pautar a sua conduta de acordo com os ditames da boa-fé, querendo aqui significar-se que, por exemplo, o procurador não poderá atuar de forma desleal, por exemplo, usando os poderes que lhe foram conferidos por forma a colher benefícios para si ou para outrem que não o representado.
Uma das questões que se poderá colocar neste âmbito é a de saber se uma pessoa a favor de quem lhe foi outorgada uma procuração, ao fazer uso da mesma, vários anos depois, por exemplo, 12 anos depois, está a atuar com abuso de representação face ao decurso do tempo.
Tal situação ocorrerá se, por exemplo, o procurador, ao utilizar a procuração 12 anos após a mesma lhe ter sido outorgada o faz desrespeitando as indicações do seu representado no que concerne ao período de tempo durante o qual poderia exercer os poderes de representação que lhe foram conferidos.
No entanto, não se pode concluir que a utilização de uma procuração, ao fim de 12 anos, por exemplo, uma procuração para venda de um imóvel, pelo preço e condições que o procurador considerasse mais adequadas, constitua por si uma situação de abuso de representação, pois não tem que corresponder a uma atuação contrária à boa-fé, nem tem que corresponder a um comportamento desleal por parte do procurador.
Considere-se uma outra situação em que o procurador, ao fim dos 12 anos, utilizou a procuração e vendeu o imóvel por um preço consideravelmente inferior ao valor de mercado.
Neste caso, importará ter em conta qual seria a vontade real da pessoa que outorgou a procuração, ao dar poderes ao procurador para vender o imóvel pelo preço que considerasse adequado. A solução passa por atribuir a essa declaração o sentido que um declaratário normal tomaria colocado que fosse na posição do real declaratário, conforme resulta do artigo 236.º n.º 1 do Código Civil, devendo entender-se por declaratário normal uma pessoa experiente e diligente e qual o sentido que essa pessoa daria à declaração constante da procuração no que respeita à venda do imóvel pelas condições de preço mais adequadas.
Ora, o sentido a dar-se a tal declaração será a de venda do imóvel por um preço que se mostre equilibrado e justo e não um preço muito inferior ao valor de mercado, na medida em que o procurador não poderá deixar de ter em consideração o interesse do seu representado o qual, tal como a generalidade das pessoas, pretende que o imóvel seja vendido pelo melhor preço, dentro do preço de mercado.
Numa situação destas, em que o procurador, utilizando a procuração que lhe foi conferida, 12 anos após a outorga da mesma, vende o imóvel objeto da procuração por um preço consideravelmente inferior ao valor de mercado do mesmo, terá que se entender que a atuação do procurador corresponde a um uso abusivo dos poderes de representação que lhe foram conferidos, caindo na previsão do artigo 269.º do Código Civil.
No entanto, conforme resulta deste artigo, não basta que o procurador tenha abusado das suas funções para que se considere que a venda realizada é ineficaz em relação ao representado (quem outorgou a procuração). Importa ainda que a outra parte, no caso, o comprador do imóvel, conhecesse ou devesse conhecer o abuso, ou seja, soubesse que os poderes que o procurador tinha eram de venda do imóvel pelo preço de mercado e soubesse ou devesse saber que o imóvel objeto da procuração estava a ser vendido por um preço consideravelmente inferior ao valor de mercado.
Numa situação destas, o negócio é ineficaz em relação à pessoa que outorgou a procuração, nos termos do disposto no artigo 269.º do Código Civil, podendo ser pedida judicialmente a declaração de ineficácia do negócio.
As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990