A evidência do Aeroporto de Beja

É incompreensível que as autoridades “assobiem para o lado” sempre que se coloca a questão dos constrangimentos do Aeroporto de Faro, “a rebentar pelas costuras” dentro de poucos anos.

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“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”
José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira

Decorrido um mês após a decisão da exclusão de Beja pela Comissão Técnica Independente (CTI) designada para “promover análise de natureza estratégica e multidisciplinar destinada a garantir o aumento da capacidade aeroportuária da região de Lisboa”, temos como oportuno voltar ao assunto, não propriamente sobre a magna questão há sessenta anos em debate, mas para reiterar a evidência da importância do Aeroporto de Beja, cuja inclusão na rede aeroportuária nacional continua em aberto. Até por que se nos afigura ser este o espírito da Recomendação n.º6/23, de 9 de fevereiro, aprovada pela Assembleia da República, recomendando “ao Governo o aproveitamento do Aeroporto de Beja nas suas diversas dimensões e potencialidades”.

A CTI “arregaçou as mangas” e desencadeou um processo de escrutínio público sobre a localização de um novo aeroporto, numa 1.ª fase dando primazia à eventualidade de outras opções estratégicas que não as explicitadas na RCM n.º 89/2022, de 14 de outubro.

Deu para perceber que era um processo algo confuso e pouco consistente, com a consequência indireta, de contribuir para o protelamento da clarificação da posição infraestrutura alentejana no quadro da rede aeroportuária nacional, para desvalorizar a complementaridade a Lisboa sempre que as circunstâncias o exijam – como vai acontecer com a Jornada Mundial de Juventude – e para justificar a ausência de calendarização do investimento na ferrovia e na rodovia, investimentos que, com ou sem aeroporto, são devidos à região – tudo isto não obstante a Professora Rosário Partidário, presidente da CTI, ter recentemente reconhecido que Beja será “uma alternativa em períodos de maior congestionamento” (entrevista ao ECO, 2 de maio de 2023).

Tivemos a oportunidade de defender o ponto de vista sobre a necessidade de o Aeroporto de Beja “fazer parte da equação aeroportuária do momento”, “um aeroporto que, no curto prazo, poderá ser adaptado para uma nova função de complementaridade do principal aeroporto nacional e do Aeroporto de Faro”, com importância acrescida, no médio prazo, quanto ao último. Naturalmente que a função de complementaridade jamais poderia levar à consideração do Aeroporto de Beja como sendo o futuro Aeroporto de Lisboa.

Há muito que se preconiza para o Aeroporto de Beja a valorização das valências de carga/logística e manutenção, a par de passageiros, charter, premium e turismo complementar aos aeroportos mais próximos. Porém, a viabilidade de algumas destas valências está condicionada à adoção medidas para cumprir aqueles desígnios, fundamentais à fixação de novas atividades económicas e à fixação da população, conforme, aliás, também a AR recomenda.

É incompreensível que a ANA, concessionária do aeroporto, com uma área de algumas dezenas hectares na concessão adstritos à atividade industrial e logística, não providencie a sua urbanização e promoção.

É incompreensível que se continue a protelar o investimento público para a intermodalidade de serviços e transportes, conjugando as valências rodoviária, ferroviária e aérea, considerando designadamente:

- a aceleração da ligação rodoviária à A26 (agora com a omissão do anúncio do abandono definitivo do perfil de autoestrada, decidido no segredo da instância partidária maioritária);

- o lançamento da obra de eletrificação e qualificação da linha ferroviária Beja - Casa Branca, com desvio ao aeroporto e com perfil em linha com o preconizado no Plano Ferroviário Nacional (com recurso aos fundos do PRR, ao invés da utilização da dotação de 80 milhões de euros inscritos no Programa operacional Regional do Alentejo 2030, anunciados pelo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), omitindo estar a subtrair às empresas, autarquias e IPSS regionais aquele montante, alocando-o a um projeto de dimensão nacional que não regional, com enquadramento óbvio no PRR);

- a antecipação do calendário da reabertura da linha do Alentejo entre Beja e Ourique Gare, com eletrificação e qualificação, com perfil idêntico ao da anterior, e considerando a futura conjugação com um novo traçado, entre Castro Verde e Faro, que vá ao encontro da interconexão transeuropeia entre o Eixo Atlântico e o Corredor Mediterrânico.

É incompreensível que as autoridades nacionais e regionais “assobiem para o lado” sempre que se coloca a questão dos efetivos constrangimentos do Aeroporto de Faro, sem quaisquer possibilidades de ampliação e “a rebentar pelas costuras” dentro de poucos anos, sabendo que a solução passa pelo Aeroporto de Beja, complementar ao de Faro, assim e quando as circunstâncias o exigirem e aconselharem e ultrapassado que esteja o ponto fraco que constitui atualmente a ausência de ligação ferroviária.

Estamos, pois, diante de situações que justificam a mobilização das gentes e entidades públicas e privadas do Sul, que poderão:

- por uma lado, inovar na promoção do Aeroporto de Beja, eventualmente constituindo entidade para o efeito (como já foi sugerido pelo antigo autarca de Beja, o dr. Francisco C. Santos), tomando como linha orientadora os termos da Resolução da AR e envolvendo as mais proeminentes entidades públicas e privadas regionais, incluindo a concessionária do aeroporto, com o foco em questões como: a transferência de Lisboa para Beja de parte da operação de carga, os voos com escala para abastecimento, a criação de uma delegação especializada das OGMA em Beja ou a manutenção das aeronaves da TAP;

- por outro lado, desenvolver mecanismos de colaboração entre o Algarve e o Alentejo, no plano político e do estabelecimento de parcerias entre as entidades do setor económico de cada uma das regiões, as respetivas CCDR, Comunidades Intermunicipais e Entidades Regionais de Turismo, tendo em vista a ponderação do desenvolvimento da perspetiva sobre o novo corredor ferroviário, estendendo a Portugal, através do Algarve e do Alentejo, o Corredor Mediterrânico e a assunção de que a mitigação dos constrangimentos do Aeroporto de Faro passa pelo Aeroporto de Beja.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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