Goffman, o famoso e influente sociólogo do séc. XX, explica que a origem da palavra "estigma" se refere a sinais corporais que representavam algo negativo ou diferente relativamente ao status moral de quem os possuía. Este termo passou a ser aplicado de uma forma mais abstracta, referindo-se a factores psicológicos e de personalidade e não apenas e à sua evidência corporal.
Quando encontramos no outro uma característica indesejável, que o coloca numa categoria distinta e defrauda as expectativas hetero-cis-normativas em que pensávamos que a pessoa se devia inserir, deixamos de a ver como um ser humano completo, desumanizando-a e reduzindo-a a uma pessoa inferior e não merecedora.
Assim, o estigma só existe na relação com o outro e esta é a origem das discriminações: o ser-se percepcionado como desigual. Entre tantas outras, as que se referem a pessoas LGBTQI+, a que chamamos de homofobia, bifobia e transfobia.
Para navegar no mundo social, grande parte da comunidade queer vê-se obrigada a fazer o que se chama de “manipulação da identidade”, ou seja, gerir as partes de si que mostra de forma a proteger-se. Assim, os pensamentos durante as interacções sociais, especialmente se novas, saltitam entre exibir ou ocultar, contar ou calar, revelar ou esconder, mentir ou afirmar.
Por vezes, fica mesmo mais fácil diferenciar-se da própria identidade, como defesa do futuro sofrimento social, causando esse afastamento um igual sofrimento, mais pessoal, e muitas vezes em silêncio. E isto é apenas o princípio para um grande impacto negativo na saúde mental de pessoas LGBTQI+.
A homofobia, bifobia e transfobia continuam a ser uma crise de saúde pública global, que necessita de ser reconhecida pelas entidades competentes. Só desta forma se podem agilizar cuidados de saúde apropriados e adequados, apoio face ao emprego, habitação, educação e segurança. A defesa por um sistema público de saúde deve colocar na agenda o tema, investindo na literacia em saúde, valorizando e incentivando a participação das pessoas LGBTQI+ na definição das suas próprias políticas e serviços de saúde.
Em Junho, mês do orgulho LGBTQI+, torna-se necessário relembrarmos que a violência, a exclusão, a falta de protecção social e o acesso insuficiente a cuidados de saúde física e mental de qualidade continuam a causar danos a esta comunidade. A discussão da importância da celebração deste mês e do orgulho deve ser exaltada ainda mais, porque não podemos ignorar e apagar a história, devendo sim alertar para o que ainda está por fazer.
Em tempos de crise, a identificação de boas práticas, holísticas e sinérgicas, para os riscos em saúde das populações mais vulneráveis, contribui para a protecção e promoção da sua saúde. Em Maio tivemos um passo importante com a formulação do grupo de acompanhamento da implementação da estratégia de saúde para as pessoas LGBTI, que desde a emanação em 2019 de um primeiro volume, não tinha sofrido nenhuma avaliação face às suas lacunas e oportunidades de melhoria.
Porém, segundo o mais recente Rainbow Map, o país encontra-se estagnado e sem desenvolvimento nas políticas de protecção das pessoas LGBTQI+, descendo duas posições desde a última edição. Portugal não tem Plano de Acção do Governo para o Combate à Discriminação em razão da Orientação Sexual, Identidade e Expressão de Género, e Características Sexuais desde 2021, o que contribuiu para o não desenvolvimento do país no que toca ao tema.
É preciso avançar, dar visibilidade e acrescentar, em prol de uma sociedade mais justa e igualitária. É preciso não esquecer que a interseccionalidade das causas e das próprias pessoas importa, pela sobreposição das diversas posições sociais e da sua relação com sistemas de opressão e discriminação.
Cada um de nós pode e deve fazer parte destes movimentos, pois no fundo falamos de direitos humanos e de existência plena, e não de privilégio.