Quando o Benfica é campeão, é apanágio que a comemoração desse tão importante feito seja realizada no Marquês de Pombal. No próximo sábado (27 de Maio), o clube da Luz poderá sagrar-se campeão nacional da primeira Liga portuguesa de futebol e todos os caminhos irão dar ao Marquês que ficará por conta dos milhares de benfiquistas que desejem celebrar a vitória.
Este facto condicionará todas as artérias circundantes, como é o caso da Avenida Fontes Pereira de Melo, onde se situa o Teatro Villaret. Para o mesmo dia, às 21h, estava marcada a apresentação da peça Lar doce Lar, de Maria Rueff e Joaquim Monchique, que por motivos “óbvios” terá de ser cancelada. Também a Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII, será obrigada a fechar portas mais cedo pelo mesmo motivo.
Todos sabemos da importância das comemorações do Benfica — ou de outro qualquer clube de relevo — pela vitória do campeonato português de futebol. Estas comemorações são de tal forma relevantes que condicionam as escolhas culturais, obrigando a cancelar espectáculos e a interromper eventos. Ridículo, dirá o leitor.
Também a mim me parece. Não poderemos nunca aceitar que, com toda a respeitabilidade que as vitórias desportivas merecem, se sobreponham a centenas de pessoas que fazem da cultura o seu modo de vida e que não podem neste dia trabalhar.
A pergunta é simples. Por que razão estes festejos não se realizam no próprio estádio, não incomodando ninguém? Não será isto possível? Não é preciso deslocarem-se para lado nenhum, até porque já lá estão.
Isto é triste e revelador de uma falta de respeito pela cultura portuguesa com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa, que autoriza esta anormalidade.
Continuamos a assistir a um país que não tem pudor algum em desrespeitar uns a favor de outros, não sendo aceitável continuar com este triste espectáculo cada vez que o Marquês é invadido por milhares de adeptos que poderiam, com toda legitimidade, festejar o título de campeão nacional do seu clube na sua própria casa.
Cabe a quem manda pensar e reflectir que o país não é, nem pode ser, só futebol. Há, cinema, há teatro, há livros e tantas outras coisas que também contribuem para o bem-estar pessoal e o desenvolvimento da cidade e da sociedade.
Contribuir para condicionar uma escolha cultural é sinónimo da degradação total do pensamento democrático e diz muito do nosso país na discussão pública das mais variadas áreas, que passa igualmente pelo desrespeito a todos aqueles que se esforçam todos os dias, por e para trabalhar no desenvolvimento da cultura portuguesa.
Para o futuro, e para que ninguém seja prejudicado pelas grandiosas vitórias do Benfica, que as suas comemorações deixem o Marquês e passem por outros lugares que não lesem outros legítimos interesses, como agora é um facto e não uma mera e causal opinião.