O Desportivo de Chaves irritou-me!

Quando os mais meritórios ficam à porta porque, além do mérito, precisam de dinheiro para a passagem, sentimo-nos, hoje, cidadãos ocidentais do século XXI, algo revoltados.

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Imaginem que um aluno que sempre estudou para entrar num determinado curso chega ao momento de candidatura à universidade e…decide não concorrer. Todos em redor ficam entre pasmados e tristes. Antecipáramos aquela vitória e afinal nem sequer vai a jogo. As razões são poderosas – a família não tem dinheiro para uma aventura tão dispendiosa! Eventualmente, poderia o aluno candidatar-se a bolsas ou até arranjar um mecenas, ou um patrono. Mas, no final, enquanto outros vão para a praxe, ele vai trabalhar e ganhar dinheiro para a família.

Esta é a história de muitos alunos em Portugal. Mas esta é também a história do Grupo Desportivo de Chaves – uma equipa que fez uma I Liga 22/23 com muita competência, parecendo poder vir a disputar o acesso a provas europeias. O facto é que, ainda com hipótese matemáticas de o poder fazer, dentro da total liberdade que assiste à sua direção, o clube decidiu logo recusar o acesso a provas europeias.

Mas aqui, ainda que dentro da total liberdade de uns e de outros, ainda que dentro da total exogeneidade de felicidade futura (por exemplo, ninguém sabe se aquele aluno que desapontou tanta gente a não concorrer para a universidade, eventualmente, não fez até a melhor opção para a sua vida) existe algo de "ácido" para o comum dos mortais espetadores.

Em primeiro lugar, quando o mérito é travado pelos custos de transação. Há algo de imoral aqui! Ou então andamos mal-habituados. Ainda que a "meritocracia" seja uma ditadura do mérito, que por sua vez é profunda e aleatoriamente distribuído, quando os mais meritórios ficam à porta porque, além do mérito, precisam de dinheiro para a passagem, sentimo-nos, hoje, cidadãos ocidentais do século XXI, algo revoltados. Dirão alguns que sempre foi assim. Até terão razão – assim como temos o direito à nossa indignação.

Em segundo lugar, houve aqui também um dispêndio de custos ao longo do campeonato que pode comportar uma certa sensação de "fraude". Se aquela pessoa, à minha frente, quando vai ser atendida diz “afinal não quero ser atendido”, todas as outras atrás, incluindo eu, pensam: “Este indivíduo empatou-nos!”. Eu poderia ter poupado minutos, se ele tivesse tomado logo a decisão há uma hora. Mas não, atrasou-nos, em consequência. E também isto nos dá direito à indignação.

Finalmente, em terceiro lugar, existe um corresponsabilidade de quem tolera isto, nomeadamente a Liga Portuguesa e a própria UEFA. Se todos os clubes tivessem que colocar um valor de garantia, uma espécie de franquia, quando se inscrevessem para as provas nacionais, então, se acedessem às provas internacionais, poderiam deslocar esse valor de provisão para essa necessidade meritória. Que até poderia ser uma espécie de "jóia de seguro" partilhada por todos e usufruída pelos mais meritórios. Mas sobre essa corresponsabilidade ainda ninguém ouviu a Liga pronunciar-se.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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