De Paul Mescal nos Baftas ao corte de cabelo "mixie" de Emma Corrin nos Governors Awards, o shaggy mullet inspirado no estilo dos anos 1970 está em todo o lado. Mas o corte de "negócios à frente e festa atrás" (expressão que resulta bem melhor em inglês) tem uma história política que se estende muito para além da passadeira vermelha e da influência de ícones pop como David Bowie.
De facto, as descrições de penteados tipo mullet aparecem de forma proeminente nos primeiros encontros anglo-indígenas do século XVII.
Em 1622, um dos colonizadores de Plymouth, Edward Winslow, descreveu o líder nativo americano Abenaki, chamado Samoset, assim: "O cabelo na sua cabeça é preto, comprido atrás, muito curto à frente, nenhum no rosto".
Winslow associou este mullet a interpretações contemporâneas de medicina e raça. Escreveu que "os selvagens" usavam roupas "como os irlandeses" e que os indígenas Abenaki eram"de tez como os nossos ciganos ingleses, sem pêlo ou com muito pouco no rosto, na cabeça com cabelo comprido até aos ombros, apenas cortado à frente".
Numa altura em que o cabelo era fundamental para as culturas comunitárias, o mullet foi escrito com conotações imperiais e racistas. O estilo foi associado a pessoas consideradas rebeldes por natureza, parte da retórica utilizada para legitimar a violência contra elas.
A arte do mullet
Para o artista renascentista Albrecht Dürer (1471-1528), a combinação de cabelos curtos e compridos era uma visão exótica e intrigante.
O seu quadro de 1521 de soldados e camponeses irlandeses mostra o interesse do artista pelos costumes capilares fora de Inglaterra. Tal como as mudanças no vestuário, a popularidade no estrangeiro dos penteados tipo mullet assinalava um mundo de novas ligações globais.
O próprio Dürer passava imenso tempo a arranjar o cabelo. Os seus contemporâneos troçavam dele, especulando se teria um criado só para o pentear. Mas, apesar disso, era adorado pela sua aparência semelhante à de Cristo.
O peculiar corte de cabelo dos soldados irlandeses (que lhe terá chamado a atenção durante uma estadia na rua dos comerciantes ingleses residentes em Antuérpia, Bélgica) inspirou o artista renascentista a reflectir sobre a diversidade cultural.
Numa época de consumismo global, o conhecimento de novos penteados com combinações peculiares de cabelos curtos e compridos, como o mullet, suscita reflexões sobre moda, gosto e identidade.
O aparecimento do retrato no século XVI também provocou um envolvimento criativo com o cabelo, uma vez que as pessoas pensavam cada vez mais na forma como eram vistas pelos outros. Mas os penteados curtos e longos continuaram a ser uma coisa da contracultura no início.
Os contemporâneos de Dürer teriam associado o mullet a castigos humilhantes. As autoridades alemãs, por exemplo, condenavam os rebeldes a cortes parciais, como cortar metade da barba de 14 em 14 dias e deixar crescer a outra metade.
Só no século XVII é que a moda dos cabelos compridos "provocantes" se tornou popular entre os homens do início da Europa moderna.
Alguns, no entanto, lamentavam o estilo como um sinal de declínio moral. Monarcas como Filipe IV de Espanha chegaram mesmo a proibir os homens de usar franjas sumptuosas e madeixas em 1639. No entanto, o próprio monarca adolescente mostrava o seu poder, masculinidade e juventude através da combinação elegante de caracóis longos e ondulados e uma franja cheia.
As proibições não conseguiram banir a excitação que se espalhou em torno do cabelo tipo mullet e a obsessão do século XVIII com as perucas deu origem a sumptuosas melenas usadas com cabelo cortado curto. Algumas perucas reflectiam formas de mullet com cabelo curto à frente e cabelo comprido atrás.
O estilo voltou em força nas décadas de 1970 e 1980, quando o corte de cabelo ficou associado às revoluções culturais e às cenas rock e punk dessas décadas.
Foi a canção dos Beastie Boys, Mullet Head, de 1994, que cunhou a palavra mullet, lançada na mesma década que a canção dos Die Ärzte, Vokuhila (Mullet), em 1999.
Largamente rejeitado desde então, o mullet está agora numa fase de renascimento. Para os especialistas em mullet, como Alan Henderson, autor de Mullet Madness!, o estilo é muito mais do que um corte de cabelo: "É um modo de vida, um estado de espírito, uma atitude (...) notável pela sua capacidade de ofender, intrigar, entreter (...) assustar e até mesmo excitar. Alguns acham o mullet nobre, bonito e até gracioso. Outros acham-no grosseiro, de baixo nível ou rebelde".
O significado do penteado mudou ao longo da História, mas a história do mullet é uma história sobre o poder do cabelo, que pode perturbar e provocar as sociedades em todo o mundo.
Exclusivo PÚBLICO/The Conversation
rofessor de História da Idade Moderna, Universidade de Manchester