O grande problema de deixar tudo na mesma

Ao assentar num conjunto de valores considerados colectivos, o conservadorismo cultural elimina a possibilidade de fala e de existência das singularidades.

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Megafone P3: O grande problema de deixar tudo na mesma NFS Nuno Ferreira Santos
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Até há poucos meses, eu não tinha qualquer implicação com a expressão política "conservador". À excepção dos radicalismos ou extremismos, que apenas fomentam uma polarização emocional e avessa ao debate de ideias, à direita conservadora contrapunha apenas a esquerda progressista, ambas no grupo dos moderados.

Contudo, e não obstante enquadrar-se no espectro democrático, actualmente, vejo esta designação para as forças de cariz reaccionário de uma outra maneira. Elas defendem que existe um status quo a salvaguardar, a preservar, a defender. A conservar. E essas regras do sistema devem ser mantidas na dimensão sociocultural do seu funcionamento, dado que na função económica, afirmam, já é possível ser-se mais liberal.

Só que há um estado das coisas que não pode continuar a ser alimentado: aquele que atenta contra os direitos humanos.

Perante a economia e o seu estado num dado momento, é possível termos diferentes perspectivas sobre como podemos incrementar a nossa produtividade e tornarmo-nos mais dinâmicos em termos de volume de negócios. As conquistas ou os fracassos das medidas mais proteccionistas ou expansionistas mexem com o dinheiro das pessoas; ainda assim não as aceitam ou rejeitam pelas suas identidades.

O conservadorismo cultural, por sua vez, advoga, com base numa alegada democracia cristã (ilusoriamente humanista neste ponto) ideais religiosos para a promoção daquilo que é considerado natural e, portanto, correcto. Como tal, o aborto, a eutanásia ou a expressão livre do afecto para lá da heterossexualidade são veementemente rejeitadas, por atentarem contra as vontades divinas.

Este é um pensamento profundamente excludente: ao assentar num conjunto de valores considerados colectivos, elimina a possibilidade de fala e de existência das singularidades. Recorrendo ao falso argumento da tradição, sempre vista de modo selectivamente monolítico — ou esquecemo-nos de que, por exemplo, a violência sobre as mulheres também era um fenómeno tradicional? — estas forças captam e representam o mundo de uma forma dualista: os bons, que apostam na permanência, e os maus, que, ao invés de resistirem por uma vida melhor, estão a contribuir para desvirtuar os valores morais da sociedade.

Que este tipo de argumentário parta do Chega, não admira; mas perceber que tal edifício ideológico se encontra na matriz nuclear do CDS-PP e em franjas da IL, do PSD e também do PCP (sim, aparentemente o conservadorismo não é apenas de direita) deixa-me, no mínimo, perturbado, pois alguns destes representantes são, ao mesmo tempo, membros de partidos criadores da democracia que hoje encontramos em Portugal.

A transformação origina, naturalmente, receios e conflitos, podendo, até, ser causadora de novas formas de desigualdade. Veja-se, por exemplo, que o aumento de rendimentos das classes mais pobres pode levar simultaneamente à proletarização e ao desaparecimento da classe média, caso esta também não seja valorizada.

Ainda assim, as alterações dos sistemas sociais podem também permitir a aquisição de novas ferramentas para lidar de forma criativa com essas disparidades. É graças à mudança que hoje percebemos as crianças de um outro modo, com plenitude de direitos, ou que respeitamos mais a vida animal e as necessidades do meio ambiente.

Aproveitando que há poucos dias comemorámos os quarenta e nove anos do 25 de Abril são nossos concomitantes dever e direito entender que ele veio mostrar-nos que a liberdade precisa de ser continuadamente celebrada e potencializada. Neste aspecto sejamos conservadores.

Ainda assim, percebamos noutras formas de intervenção social a necessidade da ruptura com o senso comum das nossas impossibilidades e preconceitos, confiando na capacidade de transformação que há muito desejamos na qualidade de vida dos portugueses.

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