Em vários pontos do mundo, as leis que regulam o acesso à cannabis estão a mudar – e, em alguns casos, não são só os humanos que têm um acesso facilitado à marijuana. Um número crescente de cães, gatos e outros animais de estimação está a consumir cannabis de forma acidental — e a experimentar os sintomas do THC.
Na véspera de Natal, Meiyee Apple Tam chegou a casa e encontrou o frasco de comestíveis com THC, que normalmente ficava na sua mesa de café, espalhado pelo chão. Ernie, o pug de nove anos do seu chefe de que estava a cuidar durante as férias, estava sentado numa cadeira, com uma careta. Tinha consumido entre oito e dez miligramas de THC.
“Fiquei tipo… ‘Não, não, não, não, não…’ Era medo. Era pânico”, recorda. “Fiz uma série de pesquisas no Google motivadas pelo pânico.”
Acabou por ligar para uma linha de informação antivenenos para animais que lhe recomendou que contactasse um veterinário. O veterinário de Ernie aconselhou-o a ficar em casa a descansar. Depois de 12 horas de sintomas como hiperactividade e incontinência, Ernie voltou a ser o que era (e Tam diz que o chefe compreendeu). Mas nem sempre o desfecho é tão feliz.
Christine Klippen, veterinária do Friendship Hospital for Animals, em Washington, diz que, por semana, lhe chegam pelo menos meia dúzia de casos de animais que ingeriram “erva”, notando um aumento desde que o estado votou a favor da legalização da marijuana em 2014 (em Washington, é legal o uso médico e recreativo).
Este ano, pela primeira vez, as drogas recreativas fizeram parte da lista das dez principais substâncias tóxicas para animais de estimação do Centro de Controlo de Venenos para Animais da ASPCA. De acordo com esta organização, as chamadas com perguntas sobre envenenamento por marijuana aumentaram 300% em 2022, quando comparado com os cinco anos anteriores.
Manter os animais de estimação seguros, defendem os veterinários, depende mais da capacidade dos humanos de reconhecerem os sintomas de envenenamento por cannabis – e tomarem medidas para a evitar. Eis o que tens de saber.
Cães e “erva”
De acordo com o Centro de Controlo de Venenos para Animais da ASPCA, a maioria dos casos de envenenamento por marijuana em cães envolve produtos de pastelaria com THC — o que é mais perigoso do que ingerir apenas o material vegetal, devido às elevadas concentrações daquela substância.
Os utilizadores humanos podem limitar a sua ingestão a uma porção, mas os animais — e, em particular, os cães — são mais propensos a consumir quantidades maiores, de acordo com Tina Wismer, directora do centro de controlo. “Vão comer todos os teus brownies ou biscoitos de chocolate”, diz.
Os envenenamentos por marijuana também podem ocorrer quando os cães comem os restos de material vegetal que não foi descartado correctamente. Estamos a falar de parte de “charro” que sobrou em casa ou durante um passeio. É muito comum que isso aconteça depois de grandes eventos ao ar livre ou durante as épocas do ano em que mais pessoas fumam ao ar livre, diz Klippen. E a matéria fecal dos utilizadores humanos, quando consumida pelos animais, também pode ser tóxica.
O tamanho do cão também tem influência, mas Doug Kratt, veterinário do Hospital para Animais do Wisconsin e antigo presidente da Associação Médica Veterinária Americana, afirma que é importante lembrar que os cães são cinco vezes mais sensíveis à marijuana do que os seus donos.
Gatos e “erva”
Os gatos também correm alguns riscos ao ingerirem marijuana em comestíveis ou “charros” descartados, mas são mais susceptíveis de mordiscar plantas de marijuana, diz Wismer, o que pode ser perigoso. Os gatos apresentam quase os mesmos sintomas que os cães.
A conclusão, diz Lori Teller, actual presidente da Associação Médica Veterinária Americana, é que os donos de animais de estimação devem ser cautelosos com a cannabis, independentemente do formato. “Sempre que [os animais] têm acesso à marijuana, correm o risco de ser envenenados, quer estejam em casa, quer visitem a casa de outra pessoa, quer não estejam bem contidos [no exterior]”, afirma.
Os animais ficam “pedrados”?
Os animais reagem ao THC, o extracto da cannabis que dá a “moca”, de forma diferente dos humanos — é um envenenamento e não uma “moca”.
Embora estar na mesma divisão que pessoas que estão a fumar “erva” não seja perigoso para os animais, soprar o fumo para a cara deles, de propósito, pode ser prejudicial, avisa Wismer.
Quais são os sintomas?
Letargia, depressão, alterações do ritmo cardíaco e da pressão arterial, vómitos, convulsões, pupilas dilatadas, saliva excessiva e diminuição da temperatura corporal: estes são os sintomas em cães e gatos.
Podem “parecer bêbados”, diz Wismer, com movimentos vacilantes, incapacidade de andar ou reactividade exacerbada. Quando se tenta pegar num animal de estimação sob o efeito de marijuana, pode saltar para trás ou parecer assustado. Os cães podem apresentar incontinência urinária e não responder pelo nome. Em casos graves, os animais de estimação podem apresentar problemas respiratórios ou coma. A morte é rara, mas possível.
E como os produtos comestíveis de marijuana são muitas vezes doces, o envenenamento por chocolate e adoçantes artificiais pode coincidir com o da “erva”.
Outros animais de estimação
Os cães e os gatos não são os únicos tipos de animais de estimação afectados pela marijuana. Os animais de exterior, como os cavalos, são propensos a entrar em jardins e mastigar as plantas de cannabis. Os animais de estimação mais pequenos, como coelhos, furões e pássaros, também podem ser afectados e são mais vulneráveis ao contacto com material vegetal em sacos de plástico ou cinzeiros, de acordo com Wismer.
Quando contactar o veterinário?
Se detectares sintomas suspeitos, contacta imediatamente o teu veterinário ou uma linha telefónica de controlo de venenos para animais. Os tratamentos podem incluir fluidos intravenosos, indução de vómitos ou moderação da pressão arterial.
A “erva” é “muito difícil de testar” em animais de estimação, diz Klippen, e os sintomas de ingestão podem parecer doenças neurológicas graves. É por isso que é importante ser sincero com o teu veterinário, se achares que o teu animal de estimação pode ter consumido a tua “erva”.
“Não quero saber se fumas ‘erva’ ou ingeres comestíveis”, diz Klippen. “O que me importa é que mantenhas a ‘erva’ num lugar inacessível, a descartes adequadamente e, se o teu animal de estimação tiver tido acesso, sê aberto e transparente comigo. Não vou telefonar a ninguém. Só quero fazer o que é melhor para o animal.”
Como prevenir?
Tratar a “erva” como se fosse um medicamento ou um objecto perigoso numa casa com crianças, aconselha Teller. Os produtos com cannabis devem ficar dentro de um recipiente bem vedado, dentro de um armário fechado ou prateleira alta. No exterior, é preciso tomar atenção ao que o teu animal de estimação come. Mantém o teu cão preso durante os passeios e reserva algum tempo livre em áreas próprias para cães, onde é menos provável que as pessoas se desfaçam de produtos de marijuana.
E, mesmo que não tenhas um animal de estimação, presta atenção aos animais das outras pessoas, eliminando correctamente os resíduos de cannabis, incluindo comestíveis, extractos e óleos, material vegetal ou vapes. Klippen recomenda selar esses resíduos num recipiente e deitá-los no lixo normal.
E os produtos para animais de companhia?
As guloseimas e outros produtos para animais de estimação com CBD (um derivado da marijuana) tornaram-se cada vez mais populares. São uma forma de tratar a artrite, as convulsões e outras doenças dos animais de estimação. Mas há uma diferença fundamental entre estes produtos e o tipo de “erva” que se encontra num “charro” ou numa fornada de brownies especiais: estes produtos para animais de estimação contêm pouco ou nenhum THC, que é o agente que causa os envenenamentos nos animais.
Ainda assim, existem várias razões pelas quais os donos devem manter um certo cepticismo em relação a estes produtos. De acordo com Teller, até 70% dos produtos à base de cannabis actualmente disponíveis para animais de estimação não contêm a concentração que afirmam no rótulo e alguns não contêm qualquer CBD.
O CBD também pode conter cerca de 0,3 por cento de THC, diz Wismer, portanto, tens de ter cuidado com a quantidade que dás ao seu animal de estimação. “Se os animais estiverem a receber uma dose apropriada, não há problema”, diz ela. “Já vimos animais que pensam que um saco inteiro de guloseimas é uma única porção, ingerem tudo e acabam com sintomas. A dose determina se é venenoso ou não.”
Embora os primeiros estudos mostrem que os produtos para animais de estimação com infusão de CBD podem ser úteis no tratamento de doenças como convulsões e artrite quando combinados com medicamentos mais tradicionais, ainda é preciso mais investigação. “Neste momento, recomendamos que os clientes falem com os seus veterinários sobre terapêuticas verdadeiramente comprovadas”, afirma Teller. “À medida que obtemos mais informação, melhor investigação, mais dados de segurança e as coisas avançarem no processo da FDA, então será muito mais fácil para nós fazermos recomendações terapêuticas reais.”