Contra o sexismo, até quando é Ladies Night

É um contrato. Homens concordam em pagar mais para estar num espaço, com a promessa de encontrar uma abundância de mulheres para poderem abordar.

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Megafone P3: Contra o sexismo, até quando é Ladies Night Pexels

Não gosto de discotecas. Se, por um lado, a insistência em remisturar músicas que são já perfeitamente aprazíveis na sua forma original me repele com grande eficácia, é, sem dúvida, a inerente cultura sexista da maior parte destes estabelecimentos que me encoraja, cada vez mais, a deixar de frequentá-los.

Ainda que não aconteça em todos os espaços nocturnos, é extremamente comum que seja cobrado aos homens um valor de entrada superior ao que é cobrado às mulheres – quando estas não entram gratuitamente e com bebidas de oferta. O fenómeno não é novo nem de grande complexidade, mas, por ser ainda tão amplamente aceite por todos nós, merece alguma reflexão: porque é que, numa época de igualdade, aceitamos esta discrepância de tratamento? É um contrato.

Homens concordam em pagar mais do que o preço razoável para estar num espaço, com a promessa de encontrar uma abundância de mulheres para poderem abordar. Numa perspectiva certamente desagradável, mas também bastante crua, os homens estão a ser tratados, pelas discotecas, como os clientes – pois são eles que lhes dão lucro - e as mulheres como o produto. Não estaremos perante um caso de pura e dura objectificação? A questão que me surge imediatamente é: se em 2023, há cada vez mais mulheres que se identificam com a causa feminista, porque é que parece haver ainda mulheres dispostas a colocar a feminista que há em si em causa a troco de três bebidas grátis?

A moeda, como de resto é costume, tem dois versos e a minha opinião, tenho vindo a descobrir com o tempo, por vezes também. Se considero errado alimentar um sistema misógino, não julgo que seja justo culpar as mulheres por tirarem partido de uma das poucas vantagens que este sistema tem para lhes oferecer. Talvez devêssemos antes questionar o porquê de também os homens compactuarem com isto, apesar de saírem monetariamente prejudicados. Tem de haver um motivo colectivo. Será porque, no fundo, têm consciência que o sistema os beneficia naquilo que é o objectivo deles?

Esta crónica não pretende ser um olhar condescendente, de um alto moral qualquer, para quem escolhe compactuar com este sistema, pois já o fiz e não posso jurar a pés juntos que não o farei de novo. O movimento feminista não ganha, em nada, com o jogo de culpas em que a mulher, por incrível que pareça, acaba sempre por ir parar ao lado errado da questão. Pelo contrário, esta crónica é um convite à discussão.

Se o custo de entrada fosse igual para ambos géneros, as mulheres deixariam de frequentar estes espaços? Não querem elas divertir-se tanto como os homens? Não me parece. Esta crónica é também uma observação de quem, humildemente e ainda muito imperfeitamente, procura cada vez mais fazer escolhas que se coadunem com os valores em que acredita – até nas coisas pequenas. Cada escolha conta. É importante tomar uma posição contra o sexismo sempre, até quando é Ladies Night.

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