Sascha Crasnow acredita que Parker, a sua beagle de dois anos, consegue "falar" com ela quando usa a pata para tocar em botões com palavras pré-gravadas.
Segundo a dona, a cadela inventou recentemente um novo termo para ambulância, depois de ter visto uma estacionada no exterior e de ter carregado no botão "barulho" seguido de "carro". Além disto, durante a visita do pai de Sascha, Parker perguntou quem era, utilizando três botões: "o quê", "palavra" e "humano".
Animais como Parker são conhecidos pela capacidade perceptível de comunicarem quando carregam em botões que correspondem a imagens, símbolos ou localizações e que significam palavras específicas. Os donos, por outro lado, registam substantivos, verbos e emoções, e acreditam que os botões permitem que os cães — e em casos mais raros, os gatos — façam perguntas, expressem sentimentos como dor ("au") ou raiva ("zangado") ou indiquem algo que queiram ("guloseima", "boiscoito" e "fora").
O conceito está a ganhar popularidade. Os donos de animais de companhia podem comprar botões e placas de som por cerca de 30 dólares (27 euros), no caso dos kits iniciais, até 230 dólares (211 euros) pelo conjunto completo They can talk ("eles conseguem falar", numa tradução literal).
A par disto, os vídeos dos cães que usam os botões são um conteúdo específico nas redes sociais. Uma das hashtags utilizadas, a #dogbuttons, contava com mais de 102,8 milhões de visualizações no TikTok na segunda-feira à tarde.
Os cães podem mesmo falar?
No entanto, estes animais são também objecto de debate, com alguns especialistas em comportamento animal a levantarem questões sobre o que os cães realmente "dizem" e se as palavras significam a mesma coisa para eles e para nós.
"Já percebemos o que os cães nos tentam dizer sem os botões, mas quando utilizamos uma interface linguística humana, começamos a atribuir demasiado significado à nossa compreensão conjunta destas palavras", afirma Amritha Mallikarjun, doutorada pelo Penn Vet Working Dog Center da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. "Se um cão carrega no botão 'amor', talvez para ele signifique 'quando pressiono este botão, recebo festinhas, ou todos dizem o meu nome'. "
Já Sarah-Elizabeth Byosiere, directora do Thinking Dog Center no Hunter College, acredita que "os nossos cães têm estado 'a falar' connosco há muito tempo, mas nós simplesmente não temos estado 'a ouvir'". "Os pequenos vídeos que vejo online parecem indicar que estes animais são capazes de formar associações entre o carregar de um botão e um resultado, mas é muito difícil dizer se está a acontecer algo mais", acrescenta.
Embora algumas investigações tenham analisado a funcionalidade dos botões caninos, há um estudo da Universidade da Califórnia, em San Diego, que está a tentar perceber se este mecanismo pode permitir que os cães comuniquem de forma significativa.
A investigação, a cargo de Federico Rossano, está a ser conduzida em parceria com a FluentPet, que produz e vende botões e placas de som. A empresa está a partilhar dados com o laboratório e a Universidade da Califórnia, mas não está a financiar o estudo.
"Não estamos a pagar pelos dados e eles não nos estão a pagar para os analisarmos. O meu laboratório recolhe dados adicionais e também realiza experiências comportamentais, completamente independentes do FluentPet", acrescenta.
Segundo o investigador, num primeiro momento, os donos de cerca de dez mil cães de 47 países registaram e apresentaram dados básicos sobre os seus animais. Um subconjunto muito mais pequeno — menos de uma dúzia neste momento, mas que pode chegar, espera-se, a várias centenas — tem câmaras em casa a funcionar 24 horas por dia, sete dias por semana, para captar o comportamento dos cães com os botões.
Existem cerca de 1600 cães e 400 gatos cujos dados estão actualmente a ser submetidos, assegura Federico. "Mas como se trata de um estudo longitudinal, dependendo das questões, podemos utilizar dados dos mais de dez mil participantes ou apenas focar-nos nos que estamos a recolher agora", explica.
"Por exemplo, se quisermos ver se alguns traços de comportamento ou uma raça específica são melhores a aprender como funcionam os botões podemos olhar para todas os dez mil cães. Mas se quisermos ver quão rapidamente os participantes conseguem aprender um novo conceito (associado a um botão) ou estão dispostos a participar numa experiência, obviamente que a lista com que podemos contar agora são os dois mil, não os dez mil.".
Os cientistas planeiam ainda visitar os animais e fazer testes para estabelecer se estes estão realmente a comunicar ou apenas a carregar aleatoriamente nos botões. No entanto, os resultados provavelmente não vão estar disponíveis antes do final do ano uma vez que os trabalhos científicos que descrevem as provas estão a ser analisados para publicação ou em processo de apresentação.
"Embora existam claras diferenças individuais entre os cães no estudo, agora temos provas convincentes de que, para muitos destes animais, carregar no botão não é aleatório. Eu não estaria a fazer isto se não tivesse provas de que não era aleatório", afirma o investigador.
Um novo paradigma
Já Clive Wynne, director e fundador do Laboratório de Ciências Caninas da Universidade Estatal do Arizona, garante que não está surpreendido com o facto de muitos tutores de cães que usam botões já estarem convencidos.
"Adoramos os nossos cães e, por isso, somos propensos a dar a mais rica interpretação possível ao que eles fazem", destaca Clive que acredita que apenas uma pequena minoria utiliza os botões para comunicar, algo que considera "impressionante", embora possam certamente adquirir mais vocabulário.
E dá o exemplo da border collie Chaser que sabia cerca de 1200 palavras, mas não utilizava os botões para comunicar. De acordo com Clive, a cadela tinha um vocabulário "receptivo" — a maioria das palavras eram os nomes dos brinquedos — que trazia de volta se lhe fosse pedido.
Este especialista encontrou-se recentemente com Federico Rossano para saber mais sobre a investigação e afirma estar "tranquilizado" por saber que iria dar respostas a muitas perguntas que, por enquanto, pemanecem sem resposta. "O facto de ele não estar a ser apressado é uma coisa boa", sinaliza. "Além disso, não está a levar o dinheiro [da FluentPet's]. Ele leva os dados, mas não o dinheiro da empresa."
Sascha, a dona de Parker, diz que as reacções de um cão que usa botões não são o mesmo que reagir a sinais humanos — que é o que estes animais normalmente fazem — porque a cadela inicia a comunicação por conta própria.
"Cães que utilizam palavras para comunicar é um conceito que muda o paradigma", destaca Christina Hunger, patologista da linguagem que ensinou a sua cadela Stella a "falar" com base em práticas utilizadas no ensino de linguagem a bebés e crianças pequenas.
Cristina descreve vários episódios que acredita mostrarem a cadela a combinar palavras para formar frases eloquentes. Por exemplo, quando adiou levá-la à rua, Stella carregou nos botões, "zangada", "olhar" "querer", "brincar" e "lá fora".
Da mesma forma, Joelle Andres, técnica de educação especial que divide o tempo entre Levittown, na Pensilvânia, e Sleepy Hollow Lake, em Nova Iorque, diz que o seu cão, o terrier Bastian, aprendeu quase imediatamente a carregar nos botões que diziam "guloseima", "fora" e "andar".
"Ele carregava no botão 'exterior' e corria para a porta. Se carregasse em 'guloseima' ia para a cozinha onde elas estão. Com 'andar' ia lá para baixo, onde guardamos a trela", conta a dona.
Cães já nos dizem o que querem há muito tempo
Na mesma linha, Alexandra Horowitz, que dirige o Laboratório de Cognição de Cães do Barnard College, salienta que os cães já nos "dizem" o que querem, dão sinal quando querem sair e atiram uma bola quando querem brincar.
Por outro lado, acredita que os animais podem aprender a utilizar os botões, mas destaca que isso não faz necessariamente avançar as formas de comunicação actuais. O risco, adianta, é o facto de o foco na comunicação através dos botões "poder distrair-nos das comunicações elaboradas que eles já fazem".
"O meu fascínio seria se o meio permitisse aos cães dizer algo verdadeiramente insondável sem os botões", atira. "Mas não é claro que eles estejam a tentar dizer coisas que não podem", completa.
Clara Wilson, investigadora pós-doutorada no Centro do Cão de Trabalho da Universidade da Pensilvânia, concorda: "Os cães podem usar com precisão símbolos e botões emparelhados com objectos e acções. Contudo, isto é muito diferente de uma capacidade de usarem a linguagem da mesma forma que os humanos", afirma.
Tendo em conta que estes animais utilizam principalmente a linguagem corporal para comunicar — especialmente com outros cães — os humanos deveriam aprender a ler a sua linguagem, em vez de pedir que aprendam a nossa, sinaliza Clara.
Embora os especialistas digam que ainda há muito a aprender, o envolvimento com os botões pode ser enriquecedor tanto para os humanos como para os animais de companhia — e além disto, divertido.
"Independentemente do que a ciência nos diz, se permite aos donos interagirem e compreenderem melhor os próprios cães, acho que é óptimo", diz Sarah-Elizabeth do Hunter College. "Por isso, carrega no botão."
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Teddy Amenabar do The Washington Post contribuiu para este artigo