A série Extrapolações, da Apple, mostra quão difícil é fazer boa televisão sobre o clima

Os apocalipses climáticos criam drama imediato e tensão para as personagens. Os acontecimentos do meio — como um apocalipse em lume brando — são mais difíceis de transformar em entretenimento.

Foto
Matthew Rhys, Heather Graham, Alexander Sokovikov e Noel Arthur no primeiro episódio da série Apple TV Plus

No segundo episódio do novo drama climático da Apple TV+ Extrapolações, uma cientista senta-se numa base subaquática, comunicando com uma baleia-de-bossa. Estamos no ano 2046 — todos os episódios de Extrapolações têm o nome de um ano num futuro com um clima brutalmente aquecido — e a baleia parece ser a última da sua espécie viva na Terra. Os humanos aprenderam, convenientemente, a traduzir canções de baleia, e a baleia-de-bossa diz, por exemplo, frases como se fosse o poeta e.e. cummings mas com a voz de Meryl Streep. "Fizeste cair alguns de nós?”, clica e assobia o animal.

"Não”, responde rapidamente a cientista, Rebecca Shearer (corajosamente interpretada por Sienna Miller). "Não, eu nunca te faria mal.”

O que está implícito, claro, é que se não foi a própria Rebecca a fazer mal à baleia-de-bossa, a humanidade como um todo - queimando combustíveis fósseis, destruindo ecossistemas - fê-lo. É uma das muitas falas em Extrapolações, a série limitada do showrunner Scott Z. Burns, que é dolorosamente óbvia. No mesmo episódio, Rebecca, confortando o seu jovem filho (Joaopaulo Malheiro), que sofre de uma doença criada pelo aquecimento global conhecida como "coração de Verão", diz: "O mundo fez-te adoecer. Porque nós fizemos o mundo adoecer”.

Muitos actores e actrizes de Hollywood — Leonardo di Caprio, Jane Fonda — participam em vários tipos de activismo climático, mas o tema raramente se torna um filme ou série de sucesso. O género é dominado por narrativas apocalípticas como O Dia Depois de Amanhã, ou a mais recente sátira/alegoria Não Olhem Para Cima, do realizador Adam McKay. Historicamente, as alterações climáticas parecem demasiado difusas, demasiado científicas e demasiado políticas para se traduzirem numa longa-metragem ou numa série de televisão com êxito.

Assim, Extrapolações, uma série dramática cheia de estrelas e centrada inteiramente nesta questão, desbrava novos caminhos. Burns, que é mais conhecido como o escritor do assustadoramente presciente filme sobre uma pandemia Contágio, tem um longo historial de interesse no ambiente e nas alterações climáticas. Já trabalhou para dois grupos de defesa do ambiente, o Sierra Club e o Conselho de Defesa dos Recursos Naturais, e ajudou a produzir a conferência de Al Gore que deu origem ao filme Uma Verdade Inconveniente.

Mas, mesmo fazendo história, a série tem um enquadramento moral demasiado familiar. As pessoas boas são profundamente boas, os vilões são claramente vilões. Há um activista adolescente que incentiva os políticos reunidos na 46.ª Conferência das Nações Unidas sobre o clima para que finalmente tomem medidas; há bilionários insuportáveis e choramingões que vêem o mundo — e mesmo o rápido derreter do Árctico — apenas como possibilidade para negócios imobiliários.

Kit Harington, famoso por A Guerra dos Tronos, interpreta Nicholas Bilton, o presidente de uma empresa tipo Google que é obviamente diabólico e que tem as mãos em tudo, desde um motor de busca de inteligência artificial até uma tecnologia barata de dessalinização da água. Edward Norton, por outro lado, é uma personagem ligeiramente mais matizada — um climatólogo bem-intencionado que espera salvar o mundo da geoengenharia solar.

Burns concebeu a série como uma versão de Decálogo, a minisérie de dez partes do realizador polaco Krzysztof Kieślowski, em que cada episódio toca um dos Dez Mandamentos. A versão climática deste código moral parece igualmente austera, embora talvez não seja profundamente esclarecedora do ponto de vista moral. Não levarás as espécies à extinção. Não injectarás aerossóis no ar para arrefecer o planeta.

No livro The Great Derangement: Climate Change and the Unthinkable, uma das inspirações de Burns para a série, o escritor e académico indiano Amitav Ghosh argumenta que o facto de a ficção ocidental se focar no indivíduo tem impedido a literatura de explorar o impacto profundo e desigual das alterações climáticas. Burns e a sua co-showrunner, Dorothy Fortenberry, argumentam que o cinema e a televisão têm a sua própria versão do mesmo problema: os apocalipses climáticos criam drama imediato e tensão para as personagens. Os elementos mais confusos no meio da tabela — um apocalipse que ainda não o é bem, o lume brando — é mais difícil de transformar em entretenimento comercializável.

Em Extrapolações, esse meio-termo confuso por vezes parece demasiado pedagógico. O conteúdo climático, seja sob que forma for, pode parecer um pouco a obrigação de comer os legumes e esta série não escapa a essa armadilha. O primeiro episódio alterna entre imagens de fogo-de-artifício e debates na conferência das Nações Unidas sobre o clima - como os jornalistas que cobrem tais encontros sabem, dificilmente são palco de grande drama televisivo. Numa cena, um executivo muito rico coloca uns óculos de realidade virtual para ser confrontado com as imagens de incêndios descontrolados. Ele tira-os, enfadado. A questão é se os telespectadores farão o mesmo.

Os momentos mais eficazes da série mostram as pessoas que experienciam o aquecimento planetário como rotina, fazendo os ajustes drásticos parecerem naturais. Um grupo de pessoas viaja num barco através do Árctico derretido, vestindo pouco mais do que corta-ventos leves. Um rapaz fica a saber que a previsão do tempo é "um dia laranja", devido aos incêndios e ao calor. Os fiéis sentam-se nos bancos de uma sinagoga de Miami, com os pés em grandes galochas mergulhadas em vários centímetros de água.

Os episódios mais perto do final, que exploram discussões sobre a ética da tecnologia e da ciência, são mais fortes. E à medida que a série avança para o futuro, os seus elementos de ficção científica começam a elevar o enredo. Mas persiste uma simplicidade no arco narrativo de Extrapolações: castigos para os personagens certos, vitória para os outros. As alterações climáticas, com as suas responsabilidades colectivas e no entanto desiguais e a sua manifesta injustiça, são mais complicadas do que isso. Se ao menos fosse tudo tão simples.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Sugerir correcção
Comentar