Há fins-de-semana inesquecíveis. Depois de uma tarde de sábado, a pôr livros e séries em dia, resolvemos ir jantar fora. Por recomendação, experimentámos um restaurante novo. Nas plataformas da especialidade, a sua relação qualidade/preço parecia bastante positiva — o que de facto se viria a comprovar.
Os vinhos, a preços razoáveis, deixavam adivinhar uma noite prazenteira. Íntimo, o restaurante que nos acolhia permitia estarmos à vontade ao som de uma música tão suave como o vinho que se ia bebendo.
Coube-me a mim pagar a conta. Chegado o talão, o valor era o expectável. Contudo, reparo que há um montante estranho — 2,50 euros — que podia ser adicionado ao total. Esse montante era a gorjeta. Pedi o terminal multibanco para pagar. Não fiz referência, mas não queria aceitar a sugestão deixada no talão. Também ninguém me perguntou se queria dar a tal gorjeta.
Mais tarde, reparei que o valor inserido no terminal de pagamento não estava conforme o talão. O excesso era de exactamente 2,50 euros. Não terminei a operação e pedi ao colaborador do restaurante que considerasse somente o valor do consumo.
Em forma de “objecção” disse-me o óbvio: “O valor em causa é a gorjeta.”
Confesso que fiquei atónito com a afirmação. Teria de o pagar se no menu existisse menção dessa obrigatoriedade, o que não deixaria de ser abusivo. Caso não reparasse na informação, aí o problema era mesmo meu.
Qualquer cidadão é livre de dar uma gorjeta caso entenda ter sido bem servido, como também é livre de não dar, caso assim o entenda. Impor uma gratificação, mesmo que na forma de uma sugestão, é uma manobra para forçar um comportamento cada vez mais usado por parte da restauração com o claro intuito de transferir para a esfera do consumidor, através de um amável “convite”, a sua contribuição para colmatar os baixos salários.
Não cabe, nem pode caber, ao consumidor participar nesta causa, por mais nobre que ela seja. Ir ao restaurante é praticar um acto de comércio bilateral onde o serviço que se oferece contém o preço a praticar, que sendo livre terá em consideração todos os custos inerentes à actividade, incluindo salários.
A “sugestão” da gorjeta é, na minha opinião, um abuso. Discordarão alguns com o argumento de ser o que é: uma mera sugestão que se deixa ao critério do consumidor. Porém, a sua incitação parece ser irracional, não existindo qualquer pretexto válido do lado do sector para a implementação desta prática.
Sabemos que os momentos de crises económicas são propensos a abusos, e é facto que a restauração não foge à crise. Contudo, a sugestão da gorjeta é uma prática abusiva que não se pode tornar usual. É um acto consciente, livre e espontâneo. A gorjeta não é uma esmola, é um reconhecimento. O salário é a contrapartida paga ao trabalhador pelo desempenho da sua função.