Quando numa entrevista de emprego surge o tema maternidade

Ali estava eu. Uma pessoa diferente após o nascimento da minha filha. Uma espécie de versão 2.0 de mim. E, ainda assim, punida por isso.

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Trabalhar e gozar o período de aleitamento Getty Images

Há dias, fui abordada por uma empresa do Porto, sobre um possível interesse no meu perfil para a recentemente criada área de comunicação.

No meio do ping-pong de perguntas, onde abordámos o meu currículo e o quão bem me encaixava naquela posição, surgiu o tema maternidade. Expliquei que tinha sido mãe há pouco tempo e que me encontrava a gozar o período de aleitamento. Silêncio constrangedor.

"— Pois… sabe… compreendo perfeitamente. Até porque fui mãe há pouco também. Mas entenda que esta é uma nova posição e que vai ser necessário fazer tudo do zero. Caso prossigamos com o seu processo, teria de abdicar das duas horas."

Novo silêncio constrangedor enquanto pensava no que ia responder. Perguntei, finalmente: "Está a dizer-me que, caso avance, teria de abdicar desse direito, é isso?"

"— Não interprete mal… Nós somos totalmente a favor dos direitos dos nossos colaboradores. Queremos que todos usufruam deles. Mas para este cargo em específico não vai dar porque duas horas a menos é muito tempo."

Perguntei como é que sabiam que alguém que trabalha oito horas é mais produtiva do que eu. A resposta: "Eu compreendo o que me diz. Mas a pessoa encarregada deste processo não está nessa fase da vida e, portanto, não irá compreender nem aceitar a redução de horário."

Engulo uma meia dúzia de palavrões e mordo a língua. Se até ali não tinha percebido, naquele momento ficou claro que aquela não era uma equipa da qual eu quereria fazer parte. Ali estava eu. Uma pessoa diferente após o nascimento da minha filha. Uma espécie de versão 2.0 de mim. E, ainda assim, punida por isso.

Não eram só as duas horas que estavam em jogo. Eram as duas horas mais o pensamento de que teria uma vida fora daquele escritório. Eram as duas horas mais os dias que teria de faltar porque a minha filha estava doente. Eram as festas da escola e as reuniões do colégio. Eram as férias em Agosto porque a creche estava fechada. Era o saber que seria dividida entre uma vida pessoal e uma vida profissional. Era a maternidade, no geral. Era isso que não era desculpável: a minha audácia de estar a alimentar aquela conversa com uma bebé de meses nos braços. Quase como se estivesse louca e devesse pedir desculpa. Não o fiz. E a conversa, previsivelmente, não continuou.

Infelizmente, acredito que esta história não é exclusivamente minha. Felizmente, essa não é a realidade que vivo no meu local de trabalho, neste momento. Como mulher, desde cedo sentimos o preconceito, em pequenas e grandes coisas. Mas, quando de mulheres passamos a mães, tornamo-nos um ser inferior para a economia global.

Por isso digo que não queremos flores nem chocolates. Queremos viver a maternidade sem medos e sem sentir as nossas carreiras estagnar. Queremos receber o mesmo, pelo mesmo cargo e ter as mesmas oportunidades de progressão. Queremos menos julgamento e mais apoio enquanto tentamos equilibrar a vida pessoal e profissional. Queremos compreensão sempre que o trabalho não for a prioridade. E queremos respeito para todas, independentemente das nossas escolhas.

Logicamente ligaram-me dias depois a dizer que não iam continuar o processo. Mas que a decisão não estava, de todo, relacionada com a redução de horário. Foram outros factores.

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