"Eu também trabalhava em saúde. Era enfermeira no serviço de urgência de medicina num hospital do meu país. Adorava o meu trabalho", disse-me, de olhos a brilhar. Mas depois, os olhos mudaram, como se se tivesse perdido, e acrescentou: "Mas agora sou apenas refugiada e estou metida neste campo."
Aquilo tocou-me fundo enquanto exercia medicina ali. A palavra "refugiada", dita daquela forma, tocou num ponto sensível, mas actual. Muitas vezes os refugiados são vistos como menos do que são e reduzidos a um rótulo que não é suficiente para serem livres. Muito também por culpa dos Estados europeus, que não cumprem com as suas obrigações para com as pessoas que nos chegam a fugir da opressão. É importante lembrar que são pessoas como nós, com histórias, sonhos, e que foram forçadas a fugir da violência do seu país. E nós, enquanto sociedade, podemos mudar a conotação com que é dita.
Podemos começar por conhecer as histórias de mulheres como ela, e questionar os nossos preconceitos, para que, enquanto sociedade, exijamos o tratamento digno e justo, de modo a que possam reconstruir as suas vidas. Deixo-vos a história de uma mulher extraordinária que conheci, sempre de sorriso no rosto, e uma palavra amiga. É a Masoumeh, que assina também este texto, e que hoje tem a coragem de partilhar a sua história abaixo, na primeira pessoa. Fica aqui o testemunho.
"Sou do Afeganistão, mas nasci no Irão. Pelo crime de ser mulher e imigrante afegã, não pude terminar os estudos, e fui sempre tratada como insignificante e discriminada. Ainda assim, tentei estudar e aprender inglês. Queria ter feito muitas coisas, mas não pude, pois era rapariga. Um dia, não pude ficar mais no Irão. Era inseguro, politicamente e religiosamente. Não podia estudar, trabalhar, escolher a roupa que queria vestir. Eu tinha um sonho, queria ser livre como os outros. Então, há quatro anos, comecei a jornada pela minha liberdade.
Cruzei fronteiras, enfrentei perigos. Fui a pé do Irão à Turquia, e de lá para a Grécia, num barco com 40 pessoas, durante nove horas. Demorei dois meses para chegar: fui assediada pela polícia turca, dormi à beira do rio, vivi na floresta. Cheguei a beber só meio copo de água por dia e comer um pedacinho de pão. Fiquei doente. Lesionei o meu joelho e tornozelo na travessia. Comigo havia tanta gente. Tinha de ser forte, continuar. Quando cheguei à Grécia, pensei que agora era livre, mas não. A polícia grega brutalizou-me.
Vivi quatro anos num campo-prisão, sem direitos. Tornei-me deprimida e solitária. Mas, apesar de todos os abusos, decidi reerguer-me.
Com a ajuda de um grande amigo, conheci a fotografia, que me deu forças para transformar tudo o que vi em imagens. Consegui expressar a dor das mulheres de quem ninguém quis ouvir a voz. A fotografia transformou-me. Já não sou a Masoumeh cansada e decepcionada, aquela que foi quebrada, que aceitou ser uma refugiada fraca que deveria viver toda a vida num contentor num campo de refugiados. A fotografia tirou-me da escuridão. Trouxe-me paz e poder para lutar contra os meus medos, ensinando-me que sou um ser humano cheio de capacidades. A fotografia tornou-se numa arma para transformar a minha dor e felicidade em imagens. Ajudou-me a mostrar os factos e permitiu-me comunicar com as pessoas sem ser por palavras. E, por isso, apesar de tudo o que vivi, quero dizer a todas as mulheres para se erguerem e lutarem pelos seus direitos. Não importa quão difícil seja o caminho. Devemos respeitar-nos e valorizar-nos, acreditar que conseguimos."