A proliferação de fake news não é exclusiva do século XXI
A democracia, a liberdade e a justiça social não são direitos eternamente adquiridos. É preciso lutar por eles, especialmente quando estão em perigo.
Aos 17 anos, atraída pelas “vozes do éter” que pululavam nas rádios da minha adolescência, tive a minha primeira experiência profissional remunerada, como locutora de rádio. Juntamente com a minha irmã e uma amiga criámos um programa numa rádio local, com o apoio da psicóloga da nossa escola. Foi das experiências mais entusiasmantes da minha vida!
Num ano particularmente dedicado ao estudo para a entrada na universidade, sabia mesmo bem esta espécie de concessão de alforria semanal, onde podíamos partilhar músicas, curiosidades, histórias e entrevistas. Chamar a isto jornalismo seria talvez um exagero, mas foi nesta fase que comecei a ganhar consciência da importância do rigor da informação que transmitimos, ainda numa era pré-Internet.
A proliferação de fake news não é exclusiva do século XXI, mas tem suscitado um aumento de preocupação, devido ao uso e alcance dos meios de comunicação digitais e ao seu impacto global em termos sociais, económicos, políticos e ambientais. Elas emergem especialmente durante tempos de incerteza.
Mais de 60% dos portugueses diz receber a sua informação nas redes sociais. “Scrolling is the new smoking”. Se Platão escrevesse hoje a sua Alegoria da Caverna, poderia chamar-lhe “Alegoria das Redes”, como refere Paulo Pena. As redes sociais são as novas ruas, onde passamos parte do nosso tempo, a conversar, a informar-nos e a conviver.
Segundo a Comissão Europeia estima-se que existam cerca de 2700 informações falsas detetadas por dia, nas redes sociais. Somos todos potenciais alvos e potenciais disseminadores de fake news, mesmo quando não damos por isso. Espalham-se mais rápido do que a verdade e a sua repetição aumenta a perceção que as pessoas têm sobre a veracidade desta “desinformação” partilhada, desde que haja algum fundo de verdade. Verdade essa que é alterada, omitida, descontextualizada e/ou desatualizada.
As fake news são uma ameaça à democracia, criando um sentimento de desassossego pouco compatível com uma sociedade humanista, justa, tolerante, pacífica, coesa e construtiva. São uma ameaça à paz entre os povos. Na minha família sou a primeira da minha geração a ter nascido numa democracia, mas as histórias comigo partilhadas sobre o que é viver numa ditadura em que a vontade da maioria é estrangulada, foram suficientes para me deixarem alerta.
A democracia, a liberdade e a justiça social não são direitos eternamente adquiridos. É preciso lutar por eles, especialmente quando estão em perigo. Particularmente, no que toca os direitos humanos. E é uma luta para a qual todas as pessoas se devem sentir convocadas. Os direitos humanos não estão mais à direita, nem mais à esquerda, nem tão pouco mais acima ou mais abaixo. Estão do lado de dentro! É esse lado que devemos escutar. É nesse objetivo que nos devemos focar. E escutamos bem quando temos olhos atentos.
Aqui e ali penso sobre os projetos em que me envolvi na minha vida e me senti realizada, como aquele programa de rádio. Penso no orgulho que sinto e no privilégio que tive em partilhá-los com corações e almas astros onde gosto de me refletir e inspirar, independentemente do lugar que possam ocupar na família, no grupo de amigos, no trabalho ou na comunidade.
Pessoas cujo envolvimento continuado e com espírito de missão, ora debaixo do barulho das luzes, ora nos bastidores, tornam possível, em conjunto, pequenas e grandes concretizações em prol do bem comum. Pessoas que nos fazem querer continuar o caminho, aproveitando o seu legado de dinamismo, construção e coesão e o que melhor de si nos vão deixando e que também faz parte de nós. “Pessoas Luz” cuja gentileza e os sinais interiores de riqueza na relação com os outros e na resolução de problemas não passam despercebidas a quem com elas se cruza, e cuja força se percebe na elasticidade de coração, cuidando de nós. Pessoas que confrontadas com situações de vida muitíssimo desafiantes, não perdem de vista o propósito que sabem ser maior que si mesmas e o perseguem sempre, dando provas do seu enorme valor.
O psicólogo Jon Roozenbeek chama a atenção para o perigo da desinformação poder ser um obstáculo à construção da paz, ao “exacerbar as tensões entre grupos e inflamar debates e opiniões”, o que poderá “dificultar os esforços de despolarização”. Almada Negreiros dizia “quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa — salvar a humanidade”.
Refletir é importante (mas não é por si só suficiente). É preciso mais, é preciso agir em conformidade. É nessa senda que devemos confluir. Cada qual dando o seu contributo, onde e quando sentirmos que possa ser importante, num esforço conjunto, não esquecendo que, “muito mais é o que nos une, que aquilo que nos separa”.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990