Comprar casa lá fora

No Reino Unido somos a excepção quando quatro em cada cinco pessoas não têm casa própria.

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Londres unsplash

Podíamos ser agentes imobiliários. O tempo, hoje mais um passatempo, despendido em sites de imóveis no Reino Unido fez-nos peritos em vendas ou não conhecêssemos de trás para a frente o calão das agências onde termos como leafy, traduzido literalmente por folhagem mas referente a zonas verdejantes, ou vintage, denominação atribuída a casas com mais de 100 anos, fazem as delícias cá de casa.

Mas não foi sempre assim. Nem podia ser. Em 2008, recém-chegados a Londres, éramos dois num quarto de solteiro a partilhar casa com a senhoria, ébria de noite e um anjo de dia, qual Dr. Jekyll and Mr. Hyde, e respectivo genro.

Nestas condições, e a pagar 600 libras por mês, com a estabilidade que o ensino nos proporciona cá fora, em poucas semanas arrendámos um T1 por 900 libras por mês e fugimos a sete pés para não mais voltar.

Um T1 onde coube a família de visita, amigos à procura de emprego, mais amigos de visita e novos amigos. Um T1 cheio como um ovo volvido pouco mais de um ano e a mudança para um T2 em Wimbledon, igualmente arrendado, desta feita por 1400 libras por mês.

E se fomos felizes em Wimbledon nos três anos seguintes entre cinema, supermercado e transportes à porta, a renda indexada à inflação que nunca desce chegou às 1700 libras por mês, o equivalente a um quarto de hotel, deste modo abrindo as portas, literalmente, à decisão de comprar casa.

Estávamos em 2013 e entre o ordenado dos dois, as poupanças de um ano para a entrada e o empréstimo do banco tínhamos um orçamento de 250 mil libras e a certeza de não ficar em Wimbledon onde um T2 custava em média 600 mil libras. Ainda custa.

A decisão de comprar uma casa em Londres, uma casa onde nos habilitamos a passar o resto da vida, é feita em 15 minutos, o tempo de ver uma propriedade juntamente com outras 20 pessoas num sistema de leilão às cegas em que a maior oferta ganha.

Sem certezas de nada e à procura de casas com preços a rondar as 200 mil libras, acabámos a oferecer o máximo para podermos estar onde hoje estamos, 10 quilómetros a sul de Wimbledon, onde um T1 hoje custa mais do que este T2 nos custou.

Em Londres, o valor das casas não pára, nem parou nos últimos nove anos, de aumentar. E desenganem-se quanto à queda de preços se a mesma apenas acontece em zonas onde uma casa custa, em média, 1 milhão de libras e um decréscimo de 60 mil libras não é significativo para quem tem sempre dinheiro.

Conclusão: num mercado que privilegia propriedades forradas a alcatifa e papel de parede, as mesmas alcatifas e papel de parede que muito trabalho nos deram a tirar mais a casa de banho decrépita à nossa espera e agora renovada de raiz, a vontade de mudar de casa, quiçá para mais perto do centro ou para uma casa maior, é menos que pouca.

E com um empréstimo a 25 anos a juros de 1%, estamos agora a abater a dívida e a contar ter a casa paga dentro de três anos. Para não cairmos nos juros proibitivos de 6% pós Liz Truss e prestações médias mensais de 1700 libras para quem compra um T2.

No Reino Unido somos a excepção quando quatro em cada cinco pessoas não têm casa própria. A revolução "thatcheriana" da propriedade privada levou à perda de 1,5 milhões de casas de habitação social, ergo a privatização da habitação com a respectiva especulação financeira e o aumento do fosso entre ricos e pobres.

A habitação social é hoje uma ilusão que empurra famílias inteiras para um mercado de arrendamento longe das grandes cidades, mercado esse onde senhorios já exigem um ano de rendas antecipadas.

Por tudo isto, temos plena consciência da nossa sorte. E de quanto custou sair do país para ter “sorte”. E sem regresso à vista, quando um T1 no centro de Lisboa dificilmente custa menos do que meio milhão de euros. Assim sendo, e por incrível que pareça, é preferível viver em Londres. E é mais fácil viver em Londres.

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