Portugal é casa na Europa

Portugal é um país de passagem para uns. Mas para outros não é. Portugal é a entrada na Europa. Mas em muitos casos é a casa na Europa.

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Restringir a entrada de migrantes que procuram trabalho é como varrer os problemas. Rui Oliveira

Eu também fui emigrante, sou casada com um imigrante e tenho filhos nascidos em países terceiros. Isso não faz de mim conhecedora das realidades dos outros. Devemos sempre ouvir os outros, mesmo e especialmente quando pensamos ser donos da verdade.

Limitar a entrada em Portugal apenas a quem já tem visto de trabalho tem três consequências:

  1. Não acaba com o fluxo de migrantes que entram no país sem contrato de trabalho assegurado. Ao invés, torna os processos mais opacos e torna os migrantes invisíveis. Gera mais vítimas e cria mais vulnerabilidade. Os estudos publicados sobre fluxos migratórios entre o México e os Estados Unidos da América, a fronteira mais bem estudada do mundo, revelam que não está provado que medidas de fecho de fronteiras levam à redução da migração irregular. Pelo contrário, provocam o aumento da violência e dos maus-tratos sobre migrantes.
  2. Criminaliza quem não é criminoso. É uma medida que sobrevaloriza o controlo, policial e jurídico, e desvaloriza a solidariedade, os direitos humanos e a inovação. Aos migrantes que já estão no país, não deixa hipótese de encontrar uma solução digna para as suas vidas. E também não retira ninguém da pobreza, da fome ou do desemprego. É uma solução desadequada à complexidade do problema.
  3. Põe ênfase no recrutamento de trabalhadores portugueses – mesmo sabendo que temos défice de mão-de-obra. Esta solução requer um fortíssimo investimento paralelo na formação técnica de portugueses para trabalho não diferenciado, sem a garantia que estes venham a aceitar os ordenados possíveis.

Restringir a entrada de migrantes que procuram trabalho é como varrer os problemas para debaixo de um tapete.

Claro que é preciso fazer de Portugal um país onde o trabalho é digno, a cultura é vibrante e onde os imigrantes se sintam seguros e felizes, e possam prosperar. É isso que desejamos aos portugueses que emigram. Sugiro que, antes de limitar a entrada de indivíduos que procuram uma vida melhor, se avaliem as alternativas. E que, já agora, se incentivem e felicitem os autarcas e as organizações não-governamentais pelo trabalho incansável que fazem, de inovação e de gestão contínua da incerteza, procurando soluções de acolhimento e integração que tornam a nossa sociedade melhor.

De acordo com um relatório da Organização Internacional para as Migrações de 2017, as soluções estratégicas de combate ao tráfico ilegal de migrantes devem incluir, além da vigia, fiscalização e detenção de traficantes, a criação, divulgação e oferta de alternativas equiparáveis e seguras às opções ilegais para os migrantes. Isto tornaria o tráfico de migrantes fútil e desnecessário. Por exemplo, desenvolver e manter redes que permitam a divulgação atempada de informação e a identificação de oportunidades de circularidade de emprego e de valorização dos migrantes como o activo que são.

Portugal é um país de passagem para uns. Mas para outros não é. Portugal é a entrada na Europa. Mas em muitos casos é a casa na Europa. A verdade é que não sabemos quantos migrantes fazem de Portugal passagem até o medirmos. Enquanto não medirmos, não sabemos. Mas medir não é fácil. Mais fácil é declarar verdades falsas para fundamentar políticas securitárias de controlo de fronteiras baseadas no medo.

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