Até quem conhece o cão Ralphie admite que não tem muitas coisas simpáticas a dizer sobre ele. Comentam que é um idiota, um terror, um demónio. E alertam que qualquer pessoa que se tente relacionar com ele deve fazê-lo por sua conta e risco.

Tendo em conta esta reputação, os defensores de Ralphie têm apenas um pedido a fazer: podes dar-lhe as boas-vindas à tua vida para sempre?

O SPCA Niagara, um abrigo que serve 12 comunidades a norte da cidade de Buffalo, em Nova Iorque, acolhe milhares de animais todos os anos e, explica a directora executiva Amy Lewis, faz várias publicações no Facebook para os mostrar às pessoas interessadas em adoptar.

Regra geral, Amy e os funcionários destacam os atributos positivos dos animais que estão na associação. E quando têm que abordar os aspectos menos bons, tentam fazê-lo de uma forma alegre ou com sentido de humor. Por exemplo, um cão que não gosta de crianças ou de outros cães é descrito como um animal que "prefere ser filho único".

No entanto, esta táctica não funcionou com Ralphie, um bulldog francês com quase 12 quilos e 14 meses, que foi devolvido pelos donos. Segundo a directora do abrigo, o SPCA concentra-se na adopção de animais errantes e, normalmente, não aceita aqueles que são entregues pelos tutores. Mas tendo em conta que Ralphie era fofo e de uma raça altamente desejável, abriram uma excepção.

"Pensámos: 'Porque não? Temos quase a certeza que podemos encontrar um lar adequado para ele", recordou.

No entanto, os antigos donos ocultaram informações sobre os "traços menos desejáveis" de Ralphie que os funcionários do abrigo acabaram por descobrir. Começou a guardar a caixa transportadora, ladrando a qualquer pessoa que se aproximasse e, além disso, atacava aspiradores, vassouras e esfregonas. Amy e o resto dos membros da associação criaram uma teoria sobre o cenário que lhes tinha sido escondido.

"O nosso melhor palpite é que a cara fofinha do Ralphie permitiu que conseguisse o que queria. Ouviu as pessoas falarem de limites, mas [decidiu que] não se aplicavam a ele", escreveu o abrigo no anúncio de adopção. "Os primeiros donos acolheram-no e treinaram-no, mas a relação deles foi construída com base na ideia de que o Ralphie era o chefe e, por isso, as coisas acabaram abruptamente ao ponto de ele ser realojado. Duas semanas depois de estar nesta casa, foi-nos devolvido outra vez porque 'aborrecia o cão mais velho' dos tutores. O que eles realmente queriam dizer era: o Ralphie é um demónio que respira fogo e vai comer o nosso cão", lê-se na publicação do Facebook.

A associação decidiu não cometer o mesmo erro ao anunciar que o animal estava disponível para adopção. "Sabíamos que precisávamos de ser honestos para eliminarmos todas estas casas que não eram adequadas [para ele]", explicou Amy.

Os funcionários do abrigo não se retraíram. Embora tenham reconhecido que Ralphie é um jovem cão adorável e que os donos deveriam estar a bater às portas do abrigo para o terem de volta, asseguraram às pessoas que, no final, poucos o iriam querer. Porquê?

"Ralphie é um terror num corpo pequeno. O que poderia correr mal com um cão de 12 quilos?", escreveram na publicação de adopção que suscitou milhares de reacções e fez notícia nos Estados Unidos. "Temos a certeza que estás a pensar: os meus tornozelos vão ficar bem. Deixamos uma aviso: avança por tua conta e risco."

As críticas continuaram. "Ele é um idiota completo — nem sequer é só parcialmente. Tudo lhe pertence. Se ousares testar a capacidade que ele tem de possuir AS coisas, segue-se a ira. Se mostrares um momento de fraqueza, prepara-te para seres explorado. Parece divertido, não é?", lê-se.

Quem poderão ser os melhores futuros donos para um cão tão difícil? "O lar ideal para Ralphie é o da Mother of Dragons [referência à série Guerra dos Tronos] ou a casa de um adulto que não tenha outros animais e que o eduque com calma e firmeza — sem tolerar asneiras."

Em busca do “encaixe perfeito”

Amy acredita que Ralphie não é uma causa perdida e, por isso, não o vão tentar impingir a um amante de cães inocente. O abrigo acha que o animal pode prosperar no ambiente certo, uma casa mais calma de um dono paciente mas firme, disposto a estabelecer e manter limites. Além disto, o novo lar deve ter o mínimo de distracções — sem crianças ou outros cães a competir pela atenção humana. "Vemos mesmo que ele tem potencial, mas quem o adoptar precisa de saber que tem estes problemas", acrescentou a directora.

Esta transparência radical está a ter o efeito desejado: atenção, e muita. O SPCA recebeu centenas de chamadas e emails da Florida à Califórnia, do estado de Washington a Rhode Island, e de todo o Canadá.

Alguns interessados são directos: dizem que gostariam de ser donos do cão, mas não preenchem todos os requisitos enumerados na publicação. Amy diz que nem sequer tem tempo para responder às mensagens de voz de pessoas que dizem que os filhos ou o outro cão que têm iriam adorar o Ralphie.

No entanto, adianta, nem todo o feedback tem sido positivo. Uma mulher de Seattle afirmou que o abrigo deveria eutanasiar o animal, mas a resposta mais comum tem sido a crítica por o difamarem. A directora diz perceber estes comentários, mas destaca que o objectivo da publicação era conseguir chegar ao máximo de pessoas possível, incluindo aquele que será o dono de Ralphie para sempre.

Amy acredita que pode ter encontrado "o encaixe perfeito" quando recebeu um email de uma mulher de Miami que disse ter sido dona de um [bulldog] francês que parecia um diabo da Tasmânia ou, nas palavras da directora, "a reencarnação de Ralphie".

A responsável pelo abrigo estava à espera que o anúncio de adopção fosse popular, mas não tanto, e tem uma teoria sobre o porquê de ter alcançado tantas pessoas de tantos lugares diferentes. "Muito disto é, obviamente, porque o Ralphie é adorável, e acho que toda a gente adora um idiota adorável", afirmou.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

Nota da edição: Ralphie foi adoptado no início de Fevereiro, mas duas semanas depois foi novamente devolvido, revelou a associação esta quarta-feira numa publicação no Facebook. O SPCA contratou um treinador para melhorar o comportamento do cão em apenas seis semanas. O objectivo é que o futuro dono também participe nestas sessões com Ralphie.