O mundo dos super-ricos

Esta incontestada concentração de filmes e séries sobre super-ricos, que claramente foi moda em 2022, pode ser um sintoma das profundas alterações sociais, políticas e económicas a que temos assistido

Foto
Triangle of Sadness DR

É uma moda que pegou. Em Triangle of Sadness, Glass Onion e The Menu, mostra-se o mundo dos super-ricos e as suas contradições. Em representações mais ligeiras, vêem-se personagens extravagantes, imersas num mundo peculiar e quase inacessível. A propósito, uma coincidência: as três histórias têm lugar em em ilhas remotas.

Inevitavelmente, há como que um choque cultural, cada vez que o tédio põe em causa o status quo. Foi o caso de Vera, mulher de um oligarca russo em Triangle of Sadness, quando pediu para a funcionária do barco deixasse de trabalhar e, por momentos, a acompanhasse na piscina e no jacuzzi.

Menos rarefeito é o mundo de White Lotus: os hóspedes que ficam no hotel da Sicília fazem visitas guiadas às atracções turísticas. Existe até um toque com o mundo exterior, ténue, que se faz sentir nas investigações da polícia, mas pouco mais se vê lá fora, além da paisagem de fundo e das águas do mar.

O público, assim como a crítica, aplaude estes filmes e estas séries, certamente impressionantes na construção de personagens, sem colocar uma pergunta fundamental: que mundo é aquele?

Não é, de todo, a primeira vez que se filmam os super-ricos, mas o distanciamento do grande e do pequeno ecrã àquela minoria parece encurtar. Filmes e séries assim são bastante diferentes de Citizen Kane, que nos anos 30 do século passado mostrou a jornada solitária de alguém que se refugia no castelo que mandou construir. Ou mesmo dos esquemas de enriquecimento de Apanha-me se Puderes ou Lobo de Wall Street, ambos os filmes protagonizados por Leonardo DiCaprio. Não é de todo a história de enriquecimento, mas antes o ambiente de sala, num clube social, com personagens que não conhecem outro mundo que não aquele.

Esta incontestada concentração de filmes e séries sobre super-ricos, que claramente foi moda em 2022, pode ser um sintoma das profundas alterações sociais, políticas e económicas a que temos assistido. Seria de esperar, por isso, uma discussão sobre o futuro, mais ou menos próximo. Num ano marcado por grandes dificuldades para a maioria da população, entre a inflação galopante e a erosão dos serviços públicos, é fácil imaginar uma nova Idade Média, monástica, onde novas formas de exclusão social faz com que só em lugares restritos se mantenham alguns privilégios.

Mesmo que a Segunda Idade Média seja apenas fantasia, um risco permanece: o de normalizar, cada vez mais, o acesso cada vez mais restrito a tantos espaços, das cidades aos destinos de férias, que tudo o resto reveste com um manto de invisibilidade.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários