As leguminosas: passado, presente e futuro

À medida que o Cristianismo se difundia, promovia-se uma dieta de grande frugalidade: simbólica e explicitamente contra a extravagância e a ganância.

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O valor nutricional das leguminosas desempenhou um papel central para a subsistência dos pobres Filipa Fernandez/Arquivo

As leguminosas são parte integral da dieta dos portugueses e são fontes preciosas de serviços de ecossistema. Os achados arqueológicos mostram que o primeiro consumo humano de leguminosas remonta a antes de 10.000 anos A.C..

Na era Neolítica, o cultivo de cereais veio primeiro, mas logo depois vieram as leguminosas. As civilizações mesopotâmicas e egípcias cresceram e alimentar-se de diversos tipos e variedades de leguminosas.

Nas tradições sírio-palestinianas e fenícias, os cereais eram combinados com leguminosas, e utilizados sob a forma de farinha, aproveitando-se ainda várias partes da planta (vagens, sementes, folhas) para consumo humano.

À medida que os sistemas alimentares se tornaram mais locais, foram-se criando hábitos e culturas gastronómicas, e a alimentação foi-se tornando um elemento distintivo da identidade de um povo. Fontes históricas relatam o costume entre os romanos de consumir leguminosas, uma polenta semilíquida feita com espelta, cevada ou feijão de fava; Apício, na coleção romana de receitas, De Re Culinaria, dedicou uma secção inteiramente às leguminosas, preparadas sumptuosamente, muitas vezes com condimentos raros e caros.

Os egípcios preparavam um guisado à base de fava, conhecido como ful ou ful medames. Hoje em dia, ainda é o pequeno-almoço preferido, disponível em mercados, bancas e restaurantes.

Nos últimos séculos do Império Romano, à medida que o Cristianismo se difundia, promovia-se uma dieta de grande frugalidade: simbólica e explicitamente contra a extravagância e a ganância. As leguminosas tornaram-se um símbolo de sobriedade e equilíbrio, consolidado nos séculos seguintes, quando a sociedade cristã formalizou a dicotomia entre a comida para os ricos e a comida para os pobres.

Com o fim do sistema feudal e o crescimento das cidades, este modelo foi adotado pelas novas classes dirigentes: alimentos refinados e ricos para os nobres; alimentos simples para os camponeses. Feijões e cereais eram comidos por ambos, embora os camponeses subsistissem neles. E talvez aí tenha começado a ideia das leguminosas como sendo a “carne dos pobres”.

Na era moderna, foi introduzida uma vasta onda de novos alimentos importados das Américas, incluindo uma nova espécie de feijão (Phaseolus vulgaris), para além do feijão-frade que já tinha cá chegado, vindo de África. O feijão do Novo Mundo tornou-se rapidamente predominante na dieta europeia.

Guerras e epidemias tornaram os alimentos escassos, e o valor nutricional das leguminosas desempenhou um papel central para a subsistência dos pobres. Quando o trigo se tornou escasso, o uso de leguminosas secas salvou vidas: muitas populações viviam (e prosperavam) em sopas de feijão, farinata de grão-de-bico (um tipo de panqueca saborosa) e até as utilizavam para fazer pão.

Até ao início do século XX, as leguminosas continuaram a ser consumidas pelas classes sociais mais humildes, e o desenvolvimento industrial mudou a forma como as pessoas comiam. O trigo passou a predominar em detrimento de outros cereais e das leguminosas. Em média, na Europa, o consumo de leguminosas por pessoa caiu de cerca de 10/20 kg por ano na segunda década do século XX para 2/4 kg por ano em meados do século XX.

Os avanços sociais pós-Segunda Guerra, o bem-estar económico, a industrialização e a migração maciça para as cidades, mais uma vez mudaram a alimentação, especialmente porque os alimentos refinados começaram a ficar mais disponíveis e acessíveis.

Hoje, porém, as leguminosas voltaram a ser uma parte vital da dieta europeia, já não ligada à conotação histórica de alimentos "pobres".

No dia 10 de fevereiro celebramos o Dia Mundial das Leguminosas. As leguminosas são agora apreciadas pelas suas qualidades saudáveis, e pelo desejo de comer em harmonia com a terra (dieta à base de plantas, etc.).

Vejo a Europa e os portugueses como estando na vanguarda da segurança alimentar, da qualidade dos produtos alimentares que disponibilizam aos seus cidadãos, e da possibilidade de voltarmos a dar às leguminosas o seu símbolo de sobriedade, saúde, e equilíbrio do ecossistema.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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