Cacá “chama a pélvis” em aulas que vibram, ondulam e rebolam — ossos e tudo
A bailarina Cacá Otto Reuss começou a pensar numa prática “de activação e libertação da região pélvica” a ouvir funk em casa, no Porto, depois de sair do Brasil. Nas suas aulas ensina como o fazer.
Não sabemos como se parece “uma pélvis com muita ansiedade”, mas é isso que Cacá Otto Reuss pede para reproduzir, na brincadeira. Ondular, rebolar, abrir espaço, soltar são outros dos comandos da bailarina e coreógrafa que começou a mexer o corpo todo a partir de uma região primordial: a pélvis.
Através de movimentos de vibração e ondulação, Cacá tenta fazer com que as pessoas “se conectem com a pélvis delas” nas aulas de dança que dá online todas as quartas-feiras e presencialmente, uma vez por mês, no Sport Clube do Porto. “O movimento acontece pelo osso, pelas articulações. Tem de existir um relaxamento completo das musculaturas”, explica, guiando a conexão corpo-mente e moralizando quem só vê rabo e quadril reprimidos demais para se permitirem a mexer assim.
À prática de dança com foco nos movimentos pélvicos chamou Chamá Pélvis, no “sentido literal, de convidar a pélvis para o corpo”, explica, mas também Chama a Pélvis de “chama, de energia do fogo”. “A pélvis está associada ao nosso chacra básico, que é a energia do fogo, da activação, da manifestação da criação, então tem essa dupla interpretação.”
Portuguesa com família brasileira, Cacá decidiu voltar do Rio de Janeiro para o Porto quando Jair Bolsonaro chegou à presidência. “No Brasil, eu tive muito contacto com a cultura do funk. Ia a muitas festas e via as pessoas a dançar o passinho e várias expressões de dança da favela. Isso foi uma inspiração para eu construir uma nova linguagem de movimento”, conta.
Durante a pandemia, já num Porto muito longe dos frenéticos 150bpm, e sem festas como a Kebraku ou o Batidão Baile Funk, Cacá dançava e ouvia constantemente músicas populares brasileiras, como o axé ou o coco, em casa.
Com espectáculos cancelados, começou a pensar em “como poderia desenvolver uma prática de movimentação pélvica” com “toda a bagagem da dança contemporânea” que tem. “Queria pensar no corpo como um todo, sem anular esta região, que é uma região muito esquecida”, resume.
A “surpresa” de ter uma pélvis
As aulas da Raba Power, mais abertamente comunicadas para mulheres como forma de activismo pelo empoderamento da sexualidade e prazer feminino, que acontecem em Lisboa regularmente desde 2019, ajudaram-na nas primeiras aproximações a esta prática. Foi com elas que Flora Mariah, bailarina natural do Rio de Janeiro, onde alguns grupos brasileiros já exploravam a mobilidade pélvica, terá começado a explorar a prática em Portugal. Também Luiza Cascon, que tal como Cacá e Flora estudou Dança na Faculdade Angel Vianna, no Rio, juntou-se ao projecto Raba Power antes de começar com as aulas regulares e presenciais Pelvic Dance em Arroios e nos Anjos, em Lisboa.
Cacá já deu as aulas Chama a Pélvis para grupos com experiências muito diferentes, desde bailarinos profissionais a pessoas mais velhas (para estes, com menos tempo passado na posição de quatro apoios). É uma prova do potencial alcance desta prática, a que a bailarina nunca colou um rótulo de género, embora seja difícil conquistar homens para experimentar.
"Principalmente na nossa cultura ocidental europeia, existe um bloqueio. São movimentos que os homens em geral não fazem, a não ser que estejam na intimidade com as suas parceiras e parceiros", diz. "É uma região e é um tipo de movimentos que são hipersexualizados. É uma prática que também pode ter essa lógica sexual, são movimentos que também associamos à prática sexual. Existe uma tentativa de ressignificação desses movimentos", explica.
O resultado de auto-explorar “movimentos ancestrais”, bem vivos e de excelente saúde em muitas culturas, como ela viu e não esqueceu, é “uma sensação de incorporação”. Como se o ponto central do corpo mudasse e, com ele, "toda a tua predisposição corporal, a forma como te expressas perante o mundo e perante o movimento". “Há pessoas que saem completamente surpresas porque percebem que têm uma pélvis, que alguma coisa se activou ali”, conta. E que pode mexer assim, antes de fazer mexer tudo o resto.