Fazemos os filmes que queremos ver com o que não nos sai da cabeça e na secreta esperança de sermos surpreendidos. Quando surgiram as apreciações ao filme do espanhol Rodrigo Sorogoyen, As bestas (2022), tratei na minha imaginação de colocar o mesmo actor Denis Ménochet, no papel ameaçador que desempenhara em Custódia Partilhada (Xavier Legrand, 2017), e numa situação aparentada com a do politicamente incendiário Cães de Palha (Sam Peckinpah, 1971). Fiquei a salivar pelo confronto do corpo XXXL de Ménochet (que curiosamente ou por tendência de casting, tinha outro título com a palavra “bestas” na filmografia: Seules les bêtes, em 2019, enigma criminal dos amores equivocados, realizado por Dominik Moll) com as bestas humanas locais, de uma aldeia da Galiza, que o queriam ver pelas costas mais a sua mulher. O Ménochet iria mostrar-lhes o que pode um homem com a fúria da razão e a força de um cajado. Era este o meu filme. Gloriosamente o filme de Sorogoyen vem a ser uma outra coisa. As bestas está além do que tinha imaginado. O espectador sentirá numa determinada altura dos acontecimentos que lhe sabotaram as expectativas, e é nesse puxar do tapete narrativo que nos larga momentaneamente num vazio, que o filme ganha o seu lugar tão particular.
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