Lula demite comandante do Exército após crise de confiança

Decisão ocorre 13 dias após ataques aos três poderes, em Brasília. Novo comandante fez discurso a defender o respeito pelo resultado das eleições presidenciais.

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Lula da Silva exonorou comandante do Exército duas semanas depois da invasão das sedes do Congresso, da Presidência e do Supremo Tribunal Federal, em Brasília EPA/Andre Borges

O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, demitiu o comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, na sequência de uma crise de confiança iniciada após os ataques do dia 8 de Janeiro, em Brasília, à sede do Congresso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto. A decisão foi comunicada este sábado ao general.

O novo chefe do Exército é o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, comandante militar do Sudeste (responsável por São Paulo).

Na semana que passada, o general tinha feito um discurso incisivo de defesa da institucionalidade, pedindo o respeito ao resultado das eleições presidenciais de Outubro e dizendo que o Exército deve ser apolítico e apartidário.

Arruda tinha sido nomeado para o comando da Força no final de Dezembro, antes da posse de Lula como Presidente. Tinha sido escolhido por critério de antiguidade pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

Segundo assessores do Presidente, a decisão foi tomada porque Arruda não demonstrou disposição de tomar as providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após a invasão bolsonarista a Brasília. Arruda mostrou relutância em pôr em causa a acção do Comando Militar do Planalto.

Numa conversa recente com Múcio, Arruda afirmou que não se sentia “forte junto à tropa” para conduzir um processo que seria apontado por muitos como um expurgo — além disso, enfrentava problemas de saúde.

De acordo com relatos de pessoas próximas de Lula e de generais ouvidos pela Folha, a gota de água para a exoneração foi o facto de Arruda ter resistido ao pedido de Múcio para que o tenente-coronel Mauro Cid fosse retirado do comando de um batalhão do Exército em Goiânia.

Cid foi ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e, como a Folha revelou, entrou na mira da Polícia Federal depois de terem sido identificadas transacções suspeitas no gabinete do ex-Presidente. O militar está nos EUA com Bolsonaro.

Na sexta-feira, depois de o site Metrópoles revelar o caso, Lula ordenou a Múcio que Cid fosse retirado da função. O ministro da Defesa conversou com Arruda durante a noite mas este terá resistido à ordem.

Segundo aliados de Lula, a crise dos acampamentos golpistas em frente ao Quartel-Geral do Exército também pesou na decisão. O ponto alto foi o que Arruda e o comandante militar do Planalto, o general Gustavo Dutra, deram à retirada dos bolsonaristas extremistas no quartel na noite de 8 de Janeiro.

Mesmo a destituição não foi tranquila. Arruda queixou-se, numa reunião com os outros 15 integrantes do Alto-Comando do Exército, neste sábado, que Lula, e não Múcio, é que deveria ter comunicado a demissão. Foi aconselhado a aceitar e ficar calado.

Tomás, como é chamado o novo comandante, já tinha sido considerado para o cargo, mas alguns membros do PT temiam que sua grande capacidade de articulação o tornasse numa força independente, assim como Eduardo Villas Bôas foi, quando escolhido por Dilma Rousseff, no fim de 2014 — o ex-comandante foi o artífice da volta dos soldados à política.

Além disso, o general está na linha sucessória natural, sendo o mais antigo detentor de quatro estrelas do Alto-Comando, ao lado de Valério Strumpf.

Num discurso na quarta-feira, durante uma cerimónia no Quartel-General Integrado, em São Paulo, disse que o resultado das urnas deve ser respeitado.

Sem citar o nome de Lula da Silva, o comandante afirmou que “não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito”. Disse também que ainda que houvesse um “turbilhão, terremotos, tsunamis”, continuarão coesos, respeitosos e garantindo a democracia.

E afirmou: “Quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna. Não interessa. Tem que respeitar. É isso que se faz. Essa é a convicção que a gente tem que ter. Mesmo que a gente não goste”, afirmou. “Nem sempre a gente gosta. Nem sempre é o que a gente queria. Não interessa. Esse é o papel de quem é instituição de Estado. Instituição que respeita os valores da pátria, como de Estado.”

A demissão de Arruda tem potencial para agravar as tensões entre Lula e o comando das Forças Armadas.

Depois dos ataques à Praça dos Três Poderes, Lula manifestou publicamente sua desconfiança em relação às Forças Armadas, em críticas direccionadas especificamente ao Exército.

No dia 12, afirmou que “muita gente das Forças Armadas” dentro do Palácio do Planalto foi conivente com a invasão. “Estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não vi a porta de entrada quebrada”, disse.

As declarações de Lula provocaram reacções negativas dentro do Exército.

Exclusivo PÚBLICO/Folha de S. Paulo

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