“Como é que sabes que és homossexual?”
As reações contra as pessoas LGBTIQ caracterizam-se mais por hostilidade do que por medo. Em alguns casos, mais do que estarem contra alguém, estão a favor de si próprias, com medo do que é diferente.
A Ana era aluna do secundário e passava a maioria dos intervalos na biblioteca, com medo que os colegas gozassem com ela por ser lésbica e gostar de uma rapariga. No primeiro jantar com a namorada, o Ivo partilhou que às vezes gostava de pintar-se e usar colares e brincos, mas não sentiu compreensão e aceitação, por isso não voltou a falar sobre o assunto. O poeta André Tecedeiro dizia a este propósito que “não há solidão comparável à de vivermos longe de nós”.
Já lá vai o tempo em que a orientação sexual (atração física e/ou emocional por outras pessoas) e a identidade de género (forma como a pessoa se sente e identifica quanto ao género, independentemente do sexo que lhe foi atribuído à nascença) não hegemónicas eram consideradas patologias no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) e na Classificação Internacional de Doenças (CID). Tem sido longa a caminhada, incluindo na área da saúde mental, para combater o estigma, o preconceito e a ignorância, sendo dos grupos sociais que mais têm sido alvo de opressão, desigualdade e violência, pondo em causa a sua saúde física, psicológica, sexual e reprodutiva e social.
Porque permanece então o preconceito? A psicologia cognitiva ajuda a explicar. Há uma coisa chamada viés de confirmação, que é a tendência inata para acreditar em informações que confirmam ou que correspondem às nossas opiniões e crenças pré-existentes.
Por outro lado, uma das heurísticas mais poderosas e com maior influência sobre o processamento de informação é a heurística da disponibilidade. Quando necessitamos de tomar alguma decisão, quanto maior é o acesso e a familiaridade, maior a probabilidade de ser usada (os soundbytes ficam). Esta heurística é reforçada pela repetição da informação, mesmo que falsa.
As reações contra as pessoas LGBTIQ caracterizam-se mais por hostilidade do que por medo. Em alguns casos, porém, mais do que estarem contra alguém, estão a favor de si próprias, com medo do que é diferente. E os nossos medos tornam-nos menos empáticos. Há também algumas situações em que a discriminação ocorre por desconhecimento e não necessariamente por má vontade ou de forma consciente.
“Ser o que somos não é uma questão de ideologia. É a nossa identidade. E ninguém pode privar-nos dela” — palavras da Presidente da União Europeia Ursula von der Leyen (2020), num discurso no qual foi anunciada a primeira estratégia da Europa para a igualdade de pessoas lésbicas, gay, bissexuais, trans, não-binárias, intersexo e queer (LGBTIQ).
Quanta falta de empatia e humanismo é necessário ter, para invocar uma suposta deriva ideológica e experimentalismo social? As pessoas LGBTIQ sempre existiram. Muitas vezes escondendo-se e “experimentando” ser quem não são, internalizando também elas o preconceito, por medo de serem alvo de estigma, discriminação e violência e/ou de perderem redes de apoio, com todo o sofrimento que isso acarreta para as suas vidas. Algumas chegam a pedir apoio psicológico para mudança de orientação sexual!
As linhas de orientação para a prática profissional no âmbito da intervenção psicológica com pessoas LGBTQ da Ordem dos Psicólogos Portugueses dão indicação de que as evidências científicas não apoiam a eficácia das técnicas de mudança de qualquer orientação sexual, evidenciando até o seu potencial danoso. A intervenção psicológica afirmativa das orientações LGB configura-se atualmente como aquela que apresenta, quer maior sustentabilidade científica, quer melhor adequação ética, ao ajudar as pessoas a consolidar a sua autoestima e a lidar com o preconceito.
Como podemos apoiar? Tenho procurado seguir o conselho das pessoas LGBTIQ: contactar com elas e com as associações que as representam. Escutá-las. A existência de pessoas aliadas aumenta o suporte social e a aceitação, ingredientes fundamentais para o seu bem-estar e qualidade de vida. Esta não deve ser uma luta só delas. É uma luta pelos direitos humanos e pela gentileza e tolerância que só o amor ao diverso pode trazer. É também uma luta de quem sente desconforto em viver bem, com direitos que as outras pessoas não têm. “É um lindo sonho para viver, quando toda a gente assim quiser”, como diria José Mário Branco.
Por onde começar? Evitando insinuar que se trata “apenas de uma fase”. Ao fazê-lo estamos a transmitir, mesmo que involuntariamente, a ideia de que a orientação sexual e/ou identidade de género da pessoa não é aceitável.
Respeitando a forma como a pessoa quer ser tratada, deixando que nos diga se prefere ser no feminino, no masculino ou de forma neutra e usando os pronomes adequados. Dá algum trabalho utilizar linguagem inclusiva? Dá pois. A prová-lo está o número de vezes que já revi este artigo e encontro sempre algo para alterar. Mas, se trabalho em duas instituições em que uma usa o “novo” acordo ortográfico e a outra o “antigo” e vou conseguindo gerir isso, quanto mais quando a linguagem que utilizo fere quem com ela não se identifica.
Conheci um aluno de 9.º ano que perante a questão de uma professora “como é que sabes que és homossexual?”, respondeu com outra pergunta: “Como é que a professora sabe que é heterossexual”? Não me ocorreria melhor forma de resposta.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990