Tendemos a dar ênfase ao lado negativo? Um novo ano cheio de incertezas. Sinto-me fragilizada, não pelo whisky, Jorge Palma.
O medo de perder a casa porque a prestação aumentou. Não poder comprar o que quero porque o orçamento não deixa. Filhos para alimentar. A água e luz para pagar, acertos que abalam. O combustível afigura-se pesadelo. Qualquer dia não se pode mesmo sair de casa. Electrodomésticos avariados, os pneus do carro para mudar. E começam as dores de cabeça como sirenes.
A escutar os nossos governantes, está tudo a ser resolvido e ergue-se o troféu da redução da dívida pública como se isso aumentasse o dinheiro na carteira dos portugueses. As várias manifestações e greves de professores e de outros sectores (enfermeiros, trabalhadores dos portos, funcionários judiciais, maquinistas da CP) deverão ser música para os seus ouvidos.
Mais ano, menos ano, também devemos ter de importar professores, a somar aos 83.145,7 euros (dados da Pordata, 2021).
E as grávidas ajudam a alargar o gargalo da pirâmide etária que mais parece uma garrafa. O melhor é não engravidar, correndo o risco de a criança nascer na ambulância. Precisam-se de cursos para maridos parteiros.
As horas de espera nos hospitais. Centros de saúde sem vagas ou sem médicos de família. Isto para a grande fatia que não pode pagar seguros de saúde e ir aos privados. E baixo a cabeça como o cão quando lhe ralhamos, perguntando o que é que fizeste?
Muitos professores descrevem como os jovens se sentem deprimidos. Afinal, não são estes a força e a esperança? A massa estudantil já começou a erguer a voz para não comprometer o seu futuro.
O preço das rendas vai subindo, estuda-se na universidade ou paga-se a renda exorbitante? Um contra-senso, não há casas para arrendar… o que se diz aos filhos jovens?
E como não ter uma atitude negativa se tudo à volta é negro? Sim, estamos frágeis, débeis de esperança. Vem a chuva, precisamos dela. Faz estragos. Vem o frio, é necessário para as plantas hibernarem, dizem os produtores. Gastamos mais para nos aquecermos, electricidade, lenha ou outros combustíveis. E sinto-me um rato divertido na roda da desgraça.
O cerco vai apertando e esta fragilidade assombra-me. Respirávamos de alívio pelo vírus, veio a guerra. O que virá mais?
Tento olhar para as coisas positivas para me alegrar. O Ronaldo já tem clube e continua a levar o nome de Portugal às costas. Cogumelos de outono a crepitar da erva. Physalis no jardim, obrigada, pássaros! A lixívia e produtos para tirar o bolor dos tectos. Pelo menos há bastante água para lavar o verdete dos vasos e terraço. O cão continua a ser fiel. Os livros que quero ler e se bem os há à fartazana na biblioteca e de graça. A família ralha, mas é a minha e não a trocava por outra. Os amigos que me escutam, mesmo à distância e os de perto que me abraçam. O amor ainda é o elixir que nos une e nos ajuda quando o perdão é tão difícil.
Luís de Camões escreveu a esplêndida obra d’Os Lusíadas numa gruta e só com um olho.
Ainda tenho resquício de vigor, desligo a televisão, tomo chá para a insónia, agradeço a Deus pelo dia, durmo à pressa com vontade de trabalhar porque sei o contributo que dou ao meu país. Meto a ansiedade no caixote do lixo, teimo em viver um dia de cada vez. O sol português é dos melhores do mundo e faz-me bem.