Pelo fim dos exames nacionais

Como é que um exame de cerca de duas horas pode condicionar o futuro de uma geração, com um peso tão excessivo?

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Nelson Garrido

Os exames nacionais de acesso ao ensino superior condicionam o progresso da vida de um estudante que pretende continuar os seus estudos e finalizar o ensino secundário. Como é que um exame de cerca de duas horas pode condicionar o futuro de uma geração, com um peso tão excessivo? Qual a justiça em ter de realizar um exame de acesso ao ensino superior quando a área que pretendemos escolher é específica e não geral e transversal como os exames nacionais? Alguns dirão, os exames nacionais proporcionam a igualdade, uma vez que é igual para todos, mas o caminho será igual para todos até chegar ao 12.º ano? Infelizmente não, enquanto existirem desigualdades.

Os exames nacionais como condição sine qua non de acesso ao ensino superior somente agravam um fosso de desigualdades sociais, económicas e financeiras. Um estudo da Universidade de Aveiro conclui que os exames nacionais acentuam as desigualdades sociais, sendo os mercados dos centros de explicações os vencedores, operando numa “lógica mercantilista”. Nestes casos, claramente que quem tiver mais possibilidades económicas irá recorrer a este mercado paralelo ao ensino público (gratuito e universal). Aqui, as desigualdades começam a sentir-se. Qual é a justiça social e equidade quando há uns estudantes que conseguem ter acesso a explicações privadas e outros que são autodidactas? Como é que podemos assim analisar o mérito e medi-lo com justiça?

Foi no dia 4 de Janeiro de 2023 que se apresentou a proposta do Governo, segundo a qual os exames do ensino secundário voltam a ser apenas obrigatórios para o acesso ao ensino superior, isto é, quem não pretender frequentar o ensino superior terá na mesma a possibilidade de terminar o ensino secundário, sem os ter de fazer. É, sem dúvida, um bom pontapé de baliza, todavia, o acesso ao ensino superior continuar a ser uma adversidade em horizonte de resolução à vista.

Por todos os argumentos que fui ilustrando, considero que não devem existir exames nacionais, por forma a assegurarmos uma maior equidade entre os estudantes. Conquanto, os estudantes fariam um exame de acesso ao curso específico e na universidade que pretendiam ingressar, uma espécie de exame sub-23.

Para assegurar que todos os alunos estivessem preparados para a realização deste exame, teria de ser criado previamente um programa de aulas gratuitas a ser ministrada nas escolas públicas por docentes de cada licenciatura (seleccionada pelos estudantes no início do 12.º ano), concomitantemente, criar-se-iam optativas (que em nada condicionariam a conclusão do secundário) no 12.º ano, mediante as escolhas dos alunos. Bem como criar-se-ia um local para explicações gratuito no seio das escolas (em todos os ciclos de ensino). Tinham um ano de preparação específica para a área que pretendessem prosseguir no ensino superior.

Considero que os jovens sentir-se-iam mais motivados, mais focados e reconheceriam uma maior utilidade neste novo modelo. O currículo é fundamental nesta equação, sendo que aqui falo do impacto que o jovem tem e teve na sociedade, desde a sua iniciativa em projectos de solidariedade social, activismo, voluntariado, projectos que visem o bem comum, basicamente tudo aquilo que o jovem fez para deixar uma pegada positiva na sua comunidade local ou nacional. A escola deve ser a promotora do desenvolvimento e envolvimento dos estudantes na sociedade, são eles e elas o futuro desta geração. Tanto os currículos como os exames específicos seriam avaliados por uma comissão independente, imparcial e isenta.

No que concerne ao acesso ao ensino superior, é fundamental não nos esquecermos dos estudantes do ensino profissional. Para tal, as universidades devem assegurar a existência de um número de vagas cativas para estes estudantes, uma vez que estes não têm o mesmo ensino ao longo do secundário, tal como aqueles que se encontram no ensino regular merecem poder escolher livremente e ter exactamente a mesma oportunidade que os demais. Congratulo ainda o Governo por pretender criar um contingente para alunos que tenham insuficiências económicas no acesso ao ensino superior.

Foram abertos 57 processos disciplinares relacionados com a inflação de notas no ensino secundário, sendo que a maioria dos envolvidos são colégios privados. Como combater esta inflação? Fiscalização rígida nas escolas públicas e privadas, tal como, transitoriamente, diminuiríamos a percentagem da média do secundário face ao exame nacional. Mas esta não é a solução, é um penso rápido. Falando ainda em percentagens, neste novo modelo, a média do ensino secundário contaria a título de exemplo 20%, 40% o exame específico da licenciatura que pretendíamos ingressar e 40% do currículo. Deste modo, seria um três em um: combatíamos a inflação das notas no ensino secundário, teríamos um exame concreto e não abstracto e teríamos o currículo para estimular os estudantes a envolverem-se na comunidade e a serem, também, “arquitectos” da nação e agentes activos na sociedade, preparando-se, assim, uma geração mais unida, colectiva e menos individualista.

A mudança começa quando os nossos pensamentos se converterem em acções materializadas no quotidiano.

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