A visita do Presidente Zelensky ao Capitólio, em Washington, materializou aquilo que estava latente numa tensão que se fazia sentir desde o início da guerra. A importância dos simbolismos e do apoio político, além da assistência financeira e militar.
Putin continua a manifestar intenções de aumentar o seu contingente militar. Por outro lado, os ucranianos vão resistindo, através do apoio americano e europeu. Ora, à semelhança daquilo que fez Churchill, cerca de um ano depois do início da II Guerra, Zelensky deslocou-se ao seu maior aliado, os Estados Unidos, e arrebatou a sala, recebendo várias ovações de todo o hemiciclo americano - algo que tem vindo a rarear.
O discurso do Presidente ucraniano apresentou-se como algo que convoca em nós uma sensação algo paradoxal. As suas palavras e os seus gestos ecoavam os sentimentos de 43 milhões de ucranianos que viram a sua vida mudar drasticamente a 24 de Fevereiro. Por outro lado, a solidão de Zelensky ressoou em cada palavra que proferiu. Independentemente das sensações que nos possam ter sido induzidas, o dito discurso trazia uma mensagem clara. O papel dos países da ordem Ocidental passa por mostrar, ao máximo, todo o seu apoio político, seja este simbólico ou prático, à Ucrânia. Põe-se, portanto, a seguinte pergunta: porque são discursos como o de Zelensky tão relevantes para o decurso da guerra?
O recém-fenómeno fez o que lhe era pedido, elevando os congressistas americanos a valores mais altos do que aqueles que, normalmente, os separam. Seja por intenções imperialistas, interesse próprio ou qualquer outro defeito que possamos imputar aos políticos americanos, durante 30 minutos, o cinismo político abandonou a sala e aquilo que se celebrou foi a sobrevivência da democracia. O leitor mais pragmático poderá questionar como é que um discurso cujo tema central é a guerra poderá ser uma defesa da democracia. Pois bem, quando Zelensky diz que a Ucrânia está “alive and kicking” (viva e a esbracejar), aquilo que se deve retirar é que o exército ucraniano está a impedir a vitória de uma autocracia e de todas as ditaduras que a apoiam. Aquilo que deve ficar imbuído nas nosssa mentes é que cada trincheira cavada tem, como objectivo, a nossa defesa, tanto física como moral.
É difícil não sermos apanhados em discursos e raciocínios belicistas, mas caso seja esse o caso, penso que seja suficiente pensar naquilo que disse Zelensky: “O vosso dinheiro não é caridade. É um investimento na segurança global”. Têm, também, surgido alguns argumentos que tentam invalidar a assistência financeira que os EUA e a União Europeia (UE) vêm fornecendo ao país invadido, referindo que tais quantias de dinheiro fariam falta aos cidadãos destes países. Ora, longe de qualquer perspectiva imperialista, é necessário compreender o seguinte: a subsistência ucraniana permite, a longo prazo, a manutenção de um estilo de vida que os europeus e americanos valorizam, caracterizado por liberdade de expressão, económica e de movimento.
Pelo contrário, a derrota da Ucrânia aproxima-nos a nós, cidadãos europeus, de uma potência nuclear cujos valores regentes se encontram nos antípodas dos nossos. Adicionalmente, é claro que estes pacotes são medidas extraordinárias que não devem ser normalizadas como se fossem situações correntes e facilmente aplicáveis a situações que não as de excepção que agora vivemos.
Chegados a esta altura do conflito que irá marcar a década, é também chegado o momento de fazermos as nossas próprias reflexões. Enquanto europeu, orgulho-me da minha história. No entanto, é escusado adoptarmos a postura individualista e egoísta que levou a Europa a ter guerras de 30 anos e a ser o palco de duas grandes guerras de proporções, à altura, inimagináveis. Posto isto, penso que, à semelhança do que foi feito pelos congressistas americanos, é preciso colocar o cinismo político à beira do prato e guiarmo-nos pelos nossos valores básicos. Valores esses que estiveram, esta quarta-feira, representados na bandeira amarela e azul que Volodymyr Zelensky empunhou na casa da democracia americana.
Se qualquer dúvida restar, em relação àquilo de que o espírito ucraniano é capaz, basta ler as palavras de Steinbeck, escritas há 70 anos, aquando de uma visita a este país. “Embora Kiev esteja em grande parte destruída, ao contrário de Moscovo, as pessoas de Kiev não nos pareciam ter a lassidão mortiça das de Moscovo. Não caminhava, curvadas, mas sim de costas direitas, e riam-se na rua.”