Inês Meneses falou com centenas de personalidades, escolheu 14 para o seu livro

A radialista lançou o quinto livro, transportando para o papel algumas das conversas mais marcantes dos últimos 18 anos, no seu programa de rádio Fala com Ela. Um retrato de Portugal, acredita.

Foto
Inês Meneses no lançamento do livro Fala com Ela , no Pap´Açorda, em Lisboa Cortesia Vitorino Coragem

Ao todo, são 14 conversas. Menos quatro do que os anos que tem o programa “Fala com Ela”, que começou na rádio Radar, em 2004, e passa actualmente na Antena 1. Chegado à maioridade e da autoria de Inês Meneses, Fala com Ela é agora um livro, editado pela Contraponto, para o qual a radialista teve de seleccionar 14 entre as centenas de conversas que foi tendo, ao longo dos anos, com diferentes personalidades do mundo das artes e da cultura.

A comunicadora, que trabalha há 35 anos, começou numa rádio pirata, em Vila do Conde, e passou por outras, entre as quais a TSF, à qual se juntou tinha então 19 anos; a Radar, onde esteve durante 15 anos; e a Antena 1, onde se encontra há 14. Paralelamente, o gosto pela escrita levou-a à crónica. Na TSF teve uma rubrica chamada Enquanto Ela Dorme, uma “crónica num tom confessional” e, mais tarde, O sexo e a Cidália, sob o pseudónimo de “Cidália Dias”, que manteve no Diário de Notícias, durante mais de uma dezena de anos, e que deu origem também a um livro.

Actualmente, Inês Meneses escreve semanalmente para o PÚBLICO, à segunda-feira. A rubrica e podcast chama-se O Coração Ainda Bate e também já foi convertido num livro, lançado no final do ano passado. A autora, que faz ainda o programa O Amor é..., com o psiquiatra Júlio Machado Vaz — cujo livro com o mesmo título foi publicado em 2018 —, confessa que há muito desejava publicar Fala com Ela, que acredita tratar-se de um documento que contextualiza bem o que é Portugal.

Como surgiu a ideia de transformar um projecto de rádio, com 18 anos, em algo escrito?
Já queria fazer este livro há muito tempo, sendo que há sempre uma certa resistência, por parte das editoras, em publicar livros de entrevistas. Acho que este livro é um documento, uma linha de tempo, porque contextualiza o país e também me contextualiza a mim, neste tempo que estou a viver. O livro foi sendo adiado até que, há uns tempos, a Contraponto estendeu-me o convite e aceitei. Pelo que cá está o livro com os nomes possíveis, de entre as centenas que fui acumulando ao longo destes 18 anos.

Acabou por acontecer e cá está ele. Acredito que terá bastante interesse porque reúne nomes muito diversos e com relevância cultural. Alguns já desaparecidos e, portanto, de certa forma imortalizando-os, como é o caso de Paula Rego, Carlos do Carmo, Bernardo Sassetti e Julião Sarmento, e dos outros que também aqui comparecem para este encontro. É também um encontro colectivo. Acho importante esta ideia de ter o livro como um documento imortalizando todos estes nomes.

Como menciona, existem nomes que já desapareceram. Sente que, durante o processo de escolha das entrevistas para este livro, teve em conta a ideia de homenagear a memória dos entrevistados?
O livro começou a ser preparado antes da morte de Paula Rego e a pintora estaria indiscutivelmente nele porque representou muito para o programa. Depois, o Bernardo Sassetti porque foi um homem que morreu demasiado cedo. O Carlos do Carmo pelo que representou para o fado e para a música. E o Julião Sarmento, um artista, um homem com um universo muito especial e muito preenchido pelos amigos. Um homem que, como refiro no livro, se complementava também pela amizade e, portanto, eu que o conheci, que o considerava amigo e que tive também o privilégio de o entrevistar três vezes, tinha de o ter neste livro pela perda irreparável no mundo das artes. Cada um destes nomes conta uma história, sendo que se for ao encontro das tais centenas de conversas todas contam uma história e todas têm um apontamento digno de nota.

Dadas as centenas de entrevistas, como chegou a estas 14?
Não há nenhum motivo para serem 14, mas chegámos a este número juntando nomes e percebendo que queria ter um leque representativo daquilo que tinha sido ou do que é o programa. Se calhar faltava aqui um político, dizendo eu que sou um pouco reticente em entrevistar políticos porque são pouco espontâneos. Quer dizer, faltarão sempre imensas pessoas, mas para este mosaico ser mais completo faltaria aqui um chef — poderia ser Ljubomir Stanisic ou José Avillez —; faltaria um Adolfo Mesquita Nunes, político. Faltam imensas pessoas para completar este puzzle. Será sempre um puzzle incompleto, mas quando se escolhem nomes, caímos nesta possibilidade de sermos injustos e acredito que possa ter sido. Estes foram assim uns evidentes que me surgiram e penso que outros poderão ficar para o próximo volume, se houver!

No livro menciona que só convida pessoa que admira, sendo que são tão diferentes, como é que escolhe os seus convidados?
Tenho de sentir alguma afinidade com o convidado. Pode não ser pessoal... Tenho de ter curiosidade em relação ao trabalho, à forma como o faz, e ter, também, essa vontade de conhecer a pessoa além da obra. Há um conjunto de coisas que me empurram para essa pessoa, mas na base de tudo isso está o gostar desta pessoa.

O livro confirma também que estes encontros são “momentos de partilha”, como menciona no mesmo, e nota-se que não existe um guião rígido, assemelhando-se mais a uma conversa entre amigos ou conhecidos. Como prepara estas conversas?
Quando parto para estas conversas, sei o mínimo sobre estas pessoas. Em alguns casos já sei mais até porque alguns convidados já foram mais do que uma vez ao Fala com Ela. Às vezes, telefono a amigos de amigos para saber mais sobre os convidados, o que é normal, mas, maior parte das vezes, o que faço é tentar sintonizar-me com aquela pessoa, percebê-la, perceber do que é feita. No fundo, a minha preparação vive muito da intuição e acredito muito na inteligência emocional. A minha preparação é basicamente a minha intuição e diria que, na maior parte das vezes, bate certo com aquilo que os convidados são.

Foto
O livro partilha conversas que ocorreram entre 2004 e 2022 Cortesia Vitorino Coragem

As 14 conversas contam com encontros dos primeiros anos e outros mais recentes. Há uma ordem cronológica, como decidiu a ordem por que as conversas seriam publicadas?
Primeiro que tudo, convém dizer que estão ordenadas por ordem alfabética. Depois, por acaso, a conversa mais antiga é a de Herman José, em 2008, pouquíssimo tempo depois de nascer a minha filha, porque como conto no livro interrompi a minha licença de maternidade para o entrevistar e, portanto, este livro acaba por ter a idade da minha filha, sendo que algumas destas conversas, nomeadamente a do Pedro Cabrita Reis e do Carlos Tê são deste ano. Estão aqui 18 anos de conversas, mas não foi nada pensado. A primeira conversa foi com o Rui Reininho e não é a conversa que está no livro, a que está é mais recentemente, foi já a terceira.

Isto é muito engraçado porque tive a oportunidade de escolher, de entre as conversas que fui mantendo com alguns repetentes, a que considerei melhor, a que fez mais sentido ou aquela em que achei que o convidado tinha dado mais de si. Há combinações que não dependem só do entrevistado, nem do entrevistador. Dependem dos dois, na verdade.

Fui atrás das conversas em que senti cumplicidade, em que senti que o outro se deu de uma forma generosa e sem receios, e é, por isso, que insisto em dizer “conversa” e não “entrevista”. As pessoas partem para as entrevistas apreensivas, com uma série de defesas porque não querem deslizes, não querem dizer coisas de que se arrependam e o que tento manter com os convidados — isso está bem patente no livro—, é uma conversa onde ninguém está ali para tirar o tapete ao outro. Estamos ali para partilhar ideias, para saber coisas, às vezes, até minhas. Ao fim de 18 anos já me posso pôr nesse papel em que também dou um bocadinho de mim.

Ao transpor o que foram antes conversas faladas para a escrita, notou diferenças no formato do programa ou a nível de crescimento? Acha que se notam na escrita?
Na escrita penso que não se nota tanto. O que foi acontecendo é que quando relia as conversas, agora transcritas, era como se não fosse a pessoa que estava ali a fazer as perguntas. É muito engraçado. Claro que se ouvir o programa a voz é minha, mas relendo o livro é como se não fosse eu. Acho que, no início, estava mais contida e com o tempo fui ganhando confiança para estar à vontade, para poder falar um bocadinho de mim, algo que se deve conquistar com o tempo. Muitas vezes, por estar à vontade, já me permito juntar algo ao pensamento dos convidados.

Todos os capítulos incluem notas iniciais referentes a estes momentos de conversa. Porque decidiu incluir esses detalhes?
Cada encontro — não só estes 14, mas as centenas —, têm pormenores que permitem essa nota introdutória, além da introdução que faz parte do programa. Portanto, cada vez que me encontrei com uma pessoa, esse encontro teria uma história prévia para contar, um anexo além da própria conversa, porque é a parte em que humanizamos a conversa. Há sempre uma outra história para contar para além da história que está contada.

Foto
Exemplares da primeira edição do livro Fala com Ela Cortesia Vitorino Coragem

No livro menciona o programa De Frente Com Gabi, da jornalista e apresentadora de televisão brasileira Marília Gabriela. O trabalho dela foi uma inspiração para a criação do Fala com Ela? Ou teve outra influência?
Na altura, a pessoa que mais influência teve foi o Carlos Vaz Marques, com o programa dele, na TSF, o Pessoal... e Transmissível, mas gosto especialmente do estilo da Marília Gabriela, porque ela é muito livre. É muito directa, mas isso também tem a ver com a maneira de ser dos brasileiros. São pessoas que põem mais cor naquilo que dizem e fazem, e isso é evidente nas canções, livros e filmes. Há mais cor e obviamente quando via a Marília Gabriela a entrevistar alguém pensava: “Uau, que maravilha ir tão fundo, não ter qualquer prurido em perguntar isto ou aquilo!”

Se tivesse que escolher entre os dois estilos qual preferia?
O Carlos Vaz Marques fez durante muitos anos esse programa diário de entrevista, muito cuidadoso e muito bem preparado. No meu caso, diria que foi uma referência. Aprendi imenso com ele porque trabalhámos juntos, mas de facto talvez a diferença é que eu... Como hei-de de explicar... Eu quero aproximar-me do estilo da Marília Gabriela, sem ir tão longe. Por outro lado, aprecio imenso o estilo bem preparado e super documentado do Carlos Vaz Marques. A Marília Gabriela tem uma lata descomunal, mas, atenção, não quero ter essa lata, quero que as pessoas sintam a liberdade de dizerem o que quiserem. Não quero fazer perguntas que encostem as pessoas à parede. Quero que naturalmente decidam responder ou dar aquilo que não esperavam contar.

Foto
O livro era um sonho com mais de dez anos, confessa a autora Cortesia Vitorino Coragem

No livro menciona o quão marcante foi a entrevista com Paula Rego. Existe outra conversa que a tenha marcado assim?
O Miguel Esteves Cardoso foi muito especial, porque há muito tempo que o queria entrevistar. Ele é um bocadinho avesso a entrevistas e, durante muito tempo, convidei-o e ele foi sempre declinando, de uma maneira muito gentil, e quando chegou o dia em que soube, fiquei muito feliz. Ele foi muito marcante para a minha geração e continua a ser para estas gerações, porque é um homem que escreve de uma forma assombrosa e escreve sobre os portugueses como quase ninguém. Para mim, essa conversa é um motivo de orgulho. Também o Pedro Cabrita Reis, com quem eu nunca tinha conversado, deu-me uma conversa que acho que é daquelas que merece figurar em qualquer livro pela forma como generosamente falou dele, das suas falhas, da amizade, do amor e dos filhos. Tudo isso importa quando escolhes uma conversa, mas há tantas conversas. De certa forma, foi um privilégio falar com todas estas pessoas.

Existe algum nome que lamente não ter ainda entrevistado?
De cada vez que entrevisto alguém que ainda não entrevistei, penso: “Como é que ainda não tinha falado com esta pessoa?” Haverá sempre pessoas que vão escapando a este meu crivo, no sentido em que escolho as pessoas que lá tenho. É bom pensar que há imensa gente porque assim a fórmula do programa é inesgotável! Há imensos portugueses e portuguesas, num discurso um bocado à Presidente da República, já para não falar nos estrangeiros... Por exemplo, gostava imenso de conversar com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, esquecendo-se ele que é Presidente, que fosse o cidadão Marcelo que pudesse conversar. Fica aqui essa vontade expressa.


Texto editado por Bárbara Wong

Sugerir correcção
Comentar