Respeito pelos direitos das crianças: precisamos de uma estratégia que dê garantias

A verdade é que continuamos a não garantir às nossas crianças o direito a crescer no seio de uma família.

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"Porque insistimos em não ouvir as nossas crianças e jovens nas questões que lhes dizem respeito?" Nuno Ferreira Santos/Arquivo

A Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança e a Garantia Europeia para a Infância constituem-se como iniciativas políticas cuja implementação no nosso país se pode traduzir numa oportunidade única para melhor protegermos todas as crianças e para as ajudar a conhecer e a ver cumpridos os seus direitos.

Ao contarem na sua elaboração com a colaboração de mais de dez mil crianças de toda a Europa, estas iniciativas colocaram pela primeira vez as crianças no centro das decisões que lhes dizem respeito. A Comissão Europeia convidou, ainda, os seus estados membros, nomeadamente Portugal, a criarem mecanismos, ou a fortalecerem os já existentes, para a participação infantil, garantindo os recursos adequados para que tal possa acontecer.

Em Portugal, a Estratégia Nacional para os Direitos das Crianças para o período 2021-2024 (ENDC 2021-2024), aprovada em Dezembro de 2020, reconhece a importância de um plano concertado visando promover condições para que os direitos das crianças sejam reconhecidos e respeitados no nosso país.

A Comissão Nacional da Promoção dos Direitos e Proteção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ) foi designada como entidade coordenadora dos planos de ação desta Estratégia Nacional. O plano bianual para 2022/2023 está estruturado em quatro prioridades: a promoção do bem-estar e da igualdade de oportunidades, o apoio às famílias e à parentalidade, a melhoria do acesso à informação e à participação das crianças e jovens e a prevenção e o combate à violência contra crianças e jovens.

Neste plano, tal como na Garantia Nacional para a Infância, é claramente assumida a necessidade de o Estado português aumentar esforços no sentido de garantir às famílias níveis de vida adequados à promoção de um desenvolvimento saudável e integral das crianças e dos jovens, em particular àquelas em situação de pobreza e exclusão social. Reconhece-se, ainda, que a melhoria do funcionamento do sistema de proteção infantil exige uma maior aposta nos serviços baseados na família e na comunidade.

O plano bianual sublinha a importância de crianças e jovens privados de meio familiar deverem beneficiar de uma atenção e proteção especial. A desinstitucionalização é assumidamente colocada como um objetivo a perseguir, em paralelo com a melhoria da qualidade das casas de acolhimento, o reforço do sistema de acolhimento familiar e o incremento da adoção e do apadrinhamento civil. Nos casos em que não for possível evitar um acolhimento, a reintegração familiar e a preparação das crianças para deixar o acolhimento deverão ser priorizadas.

O Plano bianual para a concretização da Estratégia Nacional para os Direitos das Crianças assinala a importância de ser garantida formação específica, a todos os envolvidos no sistema judiciário, relativa aos direitos da criança, tornando a Justiça amigável para as crianças e evitando a revitimização.

É também considerado essencial que o mesmo tipo de formação seja assegurada a todos os profissionais que, no âmbito das suas funções, lidam com crianças e jovens, seja no sistema judicial, no ensino, na saúde ou na segurança social.

A Estratégia Nacional sublinha, também, a importância de uma maior consciencialização e investimento em medidas de capacitação que contribuam para uma prevenção mais eficaz da violência, salientando a importância de fornecer apoio adequado às crianças com vulnerabilidades específicas que sofrem violência nos diversos contextos da sua vida (família, escola, comunidade, mundo digital...) e a eliminação do castigo corporal e do uso da violência “com fins educativos”.

A urgência de medidas que concretizem estas bonitas intenções fica patente nos números do Relatório Casa, apresentado nesta sexta-feira, na Assembleia da República. Com este relatório pretende-se espelhar a realidade do sistema de acolhimento de crianças e jovens nacional e apresentar o quadro geral do ano de 2021. Neste documento é explícito que, no nosso país, há mais de 1400 crianças e jovens que vivem numa instituição e aí crescem há mais de 6 anos. É tempo de mais para uma medida que, por definição, deve ser temporária. A verdade é que continuamos a não garantir às nossas crianças o direito a crescer no seio de uma família.

Será que se houvesse verdadeira vontade política no nosso país para mudar este estado de coisas não teria já sido publicada a Portaria que permitirá concretizar a aplicação da Regulamentação do Acolhimento Residencial, sendo que esta é imprescindível para que as casas de acolhimento melhorem a sua qualidade? Não é já hora de ver verdadeiramente implementado o acolhimento familiar em todo o país? Para quando um plano nacional contra os maus-tratos com a abrangência necessária para começar a mudar mentalidades? Porque continuamos a não ter em Portugal a figura do Provedor da Criança quando existe em quase todos os países europeus e há várias recomendações da União Europeia nesse sentido? Porque insistimos em não ouvir as nossas crianças e jovens nas questões que lhes dizem respeito? Quando se iniciará uma reforma profunda no sistema de proteção, privilegiando a prevenção e o apoio às famílias? Quando é que perceberemos que as crianças são responsabilidade de todos e que todos somos agentes de proteção das crianças?

Acredito que é questionando e colaborando que faremos de Portugal um país (mais) amigo das crianças, para que a Estratégia Nacional sobre os Direitos da Criança e a Garantia Nacional para a Infância não sejam oportunidades perdidas.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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