Projecto-piloto ensina a comer bem sem gastar muito
A iniciativa do Grupo Dia, que, em Lisboa e no Porto, tem como parceira a associação Cais, pretende “mostrar que comer de forma saudável não é, necessariamente, uma coisa com custos acrescidos”.
A cantina da associação Cais em Marvila, Lisboa, tem uma nova disposição. Temporariamente, o espaço reservado para as refeições dos utentes é ocupado por fileiras de cadeiras orientadas unicamente para o conjunto de mesas na frente do refeitório, onde estão dispostos os utensílios de cozinha que o chef Igor Martinho utilizará no último workshop da iniciativa criada para promover uma alimentação saudável para todos.
O mês de Novembro, na sede lisboeta da Cais, ficou marcado por cinco workshops no âmbito do projecto-piloto desenvolvido em parceria com a cadeia de supermercados Minipreço. A iniciativa, integrada no plano de sustentabilidade do grupo e destinada às 51 famílias carenciadas da associação, pretendeu “mostrar que comer de forma saudável não é, necessariamente, uma coisa com custos acrescidos”, explica Ricardo Torres Assunção, director de Marketing e Comunicação do Grupo Dia, ao PÚBLICO.
O propósito é simples: fornecer um conjunto de iniciativas aos utentes onde se mostra “que com pouco dinheiro disponível e com apenas alguns produtos” é possível “criar receitas saborosas e muito imaginativas”, acrescenta.
Terminado o arranque deste desafio feito à associação, parceira do grupo de retalho alimentar há dez anos, e ao chef Igor Martinho, embaixador do prémio de qualidade Sabor do Ano, líder no sector da alimentação em Portugal, Ricardo Torres Assunção apresenta o balanço do projecto-piloto.
“O melhor balanço a fazer é quando vemos a reacção do outro lado. O chef consegue criar uma dinâmica muito interessante porque chama os utentes a participar e a estar presentes”, descreve, avaliando que é notória “a forma como [os participantes] estão interessados e envolvidos”. Para o responsável, este “é o melhor feedback”, já que, “quando as pessoas estão envolvidas, aprendem e percebem que conseguem de forma acessível ter uma alimentação saudável”.
A ambição passa agora por “arrancar no Porto com a Cais e, correndo bem, arrancar com outras associações [com as quais o grupo trabalha para] numa abrangência nacional”, avança.
As dicas do chef
A trabalhar há quase 20 anos na cozinha e sendo já uma presença frequente nas instalações do Grupo Dia, Igor Martinho é o responsável por apresentar “receitas e truques que possam ajudar a poupar em casa”.
“É um desafio importante e motivador. É, sem dúvida, enriquecedor chegar aqui e tentar partilhar esta forma de cozinhar, quer com os ingredientes que são atribuídos nos cabazes quer com algumas receitas que possam fazer de maneira diferente”, confessa ao PÚBLICO o profissional formado pela Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril.
O plano de acção na base do projecto consistiu na implementação de cinco workshops ao longo de três semanas, na criação de uma mercearia social, na sede da Cais, em Marvila, com produtos da marca própria do Minipreço e no desenvolvimento de um livro com as receitas preparadas nas várias sessões, além de dicas úteis para cozinhar.
O chef, que considera a cozinha como “um espaço dinâmico e criativo”, partilhou algumas das dicas das sessões com o PÚBLICO.
“É olhar um pouco para aquilo que temos em casa, muitas vezes a estragar-se, e utilizar esses produtos de forma mais correcta, pensando não só numa receita para o momento, mas também em receitas que se possa congelar”, partilha.
O responsável pelas dinâmicas menciona também a possibilidade de se fazer preparações “como molho de tomate caseiro” e salienta a importância de “planear a lista das compras, para que seja mais produtivo e também mais económico ao longo da semana”.
Pela voz dos utentes
O último workshop, realizado durante a tarde do dia 29 de Novembro, contou com 39 inscritos. Manuel Neves é um dos utentes presentes. Em contacto com a Cais há 27 anos, este foi o espaço que lhe deu trabalho na época em que era sem-abrigo. “[Falei] com o chefe e comecei a trabalhar ao fim de três dias”, recorda.
Manuel assistiu a todas as sessões do projecto-piloto e considera tratar-se de uma iniciativa “espectacular”. “[É algo que] ajuda muita gente”, diz.
Sobre as dicas do chef, Manuel Neves admite ter gostado de todas. “Só faz comida natural e coisas muito simples que dá mesmo para se fazer em casa”, partilha.
Paulo Alexandre, cujo ofício já passou pela cozinha, é outro dos presentes neste último dia, tendo descoberto a associação há mais de 20 anos. “Foi numa altura em que tive um acidente e fui parar a um albergue”, conta. “Foi nesse processo que a assistente social me aconselhou a vir para a Cais”, acrescenta.
O antigo cozinheiro admite que se trata de uma “óptima iniciativa”. “Não só pelo cabaz que faz falta a muita gente, mas também pelas dicas que o chef dá. Penso que foi uma das melhores ideias que já presenciei aqui na Cais”, avalia.
Texto editado por Carla B. Ribeiro