Gravidez com esclerose múltipla: “Uma espécie de estado de graça”

Telma Santos e Tânia Quitalo sofrem com uma doença que afecta oito mil portugueses. No Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla partilham a experiência de ser mãe com este diagnóstico.

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A gravidez mostra-se uma fase de melhoria nos sintomas para as doentes com esclerose múltipla Nelson Garrido/Arquivo

Aos 20 anos, não foi fácil receber o diagnóstico de esclerose múltipla (EM). “Tinha os meus sonhos todos à flor da pele e foi um grande abanão”, confessa Telma Santos. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a personal trainer faz parte do grupo de 2,5 milhões que sofre com esta doença crónica. Este domingo celebra-se o Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla, doença que afecta cerca de oito mil portugueses, segundo a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM).

“Sempre sonhei ser mãe e, [com o diagnóstico], o meu maior medo era não poder ou haver alguma complicação”, partilha Telma Santos com o PÚBLICO. Nesse sentido, a jovem, diagnosticada em Março de 2020, procurou, desde o início, manter uma comunicação aberta com o médico para garantir que poderia realizar o seu sonho.

Telma recebeu o diagnóstico enquanto trabalhava na universidade, tendo sido obrigada a despedir-se devido à evolução da doença. “O que tenho é um ardor nas costas e no braço, do lado esquerdo e, por vezes, falha-me a perna”, descreve. Apesar disso, manteve o desejo. “[Queria] ser personal trainer e tirei o curso mesmo nessa fase mais complicada”, conta. É nessa área que trabalha, actualmente, treinando pessoas com a mesma doença.

A esclerose múltipla é uma doença neurológica crónica que afecta o sistema nervoso central. Tratando-se de uma doença auto-imune decorre do ataque do sistema imunitário à “mielina, uma camada de gordura protectora das fibras nervosas que auxilia na transmissão de informação”, como explica a Associação Nacional de Esclerose Múltipla (ANEM). Os danos causados originam sintomas responsáveis por uma incapacidade progressiva, entre os quais dormência, fadiga, alterações de mobilidade ou espasmos musculares.

Um momento de calma

Telma é mãe de uma menina e encontra-se, actualmente, no fim da segunda gravidez. De acordo com a jovem de 23 anos, durante as gestações houve uma melhoria dos sintomas. Estas são frequentes em grávidas com EM. Como explica Raquel Cunha, enfermeira do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (HFF), conhecido por Amadora-Sintra, “a gravidez, para as doentes com esclerose múltipla, corresponde a um período de menor actividade da doença, uma espécie de estado de graça que permite uma diminuição da actividade inflamatória”.

Acredita-se que a diminuição verificada se deve “ao aumento de estrogénio” levando a que as taxas de surto sejam “30 a 50% mais baixas”, durante este período, esclarece a enfermeira do HFF.

Tânia Quitalo confirma também esta melhoria durante a gravidez. Diagnosticada em 2003, menciona que as suas dificuldades se relacionam com a movimentação. “Arrastava muito as pernas e não tinha força”, explica.

Mãe de uma menina conta que teve uma gestação “calma”, mas refere que se sentiu ansiosa face ao período pós-parto. Este sentimento relaciona-se com o risco de surto pós-parto ser uma das grandes preocupações para quem tem EM, mesmo que, na generalidade, a gestação entre mulheres com ou sem esclerose múltipla seja semelhante, afirma Raquel Cunha.

Os surtos da EM prendem-se no “agravamento dos sintomas”, adianta Paulo Gonçalves, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, sendo o período pós-parto visto como potenciador dado o nível de fadiga a que a mãe se sujeita.

A probabilidade destes surtos leva as grávidas a tomarem decisões distintas. Telma, por exemplo, amamentou. Por seu lado, Tânia optou por não o fazer “começando logo a medicação para não haver risco de uma recaída”, diz.

Os grandes desafios da doença parecem ser constantes. Segundo as duas mães é necessário “saber aceitar que há dias e momentos em que não dá mais, por mais que seja algo que gostemos”, diz Telma Santos. “São muitos desafios e é muito complicado querer fazer as coisas e o corpo não reagir”, acrescenta Tânia Quitalo.

A importância da comunicação

A esclerose múltipla é uma doença que apresenta maior incidência nas mulheres com “duas mulheres para cada homem diagnosticado”, avança Paulo Gonçalves.

O vice-presidente da SPEM considera haver um grande número de mulheres com esta condição que decidem ter filhos. “Se até há uma década havia muitos médicos que alertavam as mulheres porque poderia ser perigoso; nos últimos anos, e por causa do avanço dos tratamentos, aquilo [que se pede é] uma comunicação franca com as equipas clínicas”, explica.

Mesmo com algumas preocupações iniciais dado que a gravidez, para estas doentes, pode “acarretar mais ansiedade por vários factores, [como por exemplo] se a doença pode agravar ou se o filho vai ter esclerose múltipla”, as equipas médicas estão prontas para responder a qualquer dúvida, certifica a enfermeira Raquel Cunha.

“Foi-me logo dito que não havia nenhum risco acrescido por estar grávida, para mim ou para o bebé”, diz Telma. A única necessidade, durante esta fase, é parar os tratamentos e medicação para não haver nada no organismo que prejudique o feto. Aconselha-se ainda a que se opte por uma gravidez planeada “para que corra tudo em segurança”, recomenda Raquel Cunha.

Apesar de se tratar de uma doença crónica, o apoio clínico feito por uma equipa multidisciplinar pode não incluir apoio psicológico. “Não temos esse apoio [no hospital], mas se a equipa achar que há essa necessidade referencia-se”, conclui a enfermeira.


Texto editado por Bárbara Wong

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