Desde 14 de Novembro que 48 mil estudantes de doutoramento, pós-docs e investigadores de início de carreira estão em greve na Universidade da Califórnia.
É a maior greve do ensino superior na história dos Estados Unidos, e a maior greve do ano em qualquer sector no país. E é parte de um movimento sindical em universidades que tem vindo a crescer nos Estados Unidos, um movimento com potencial para transformar as universidades de novo em centros de conhecimento e progresso social.
As reivindicações centram-se em problemas que são familiares para investigadores em Portugal: salários baixos relativamente ao custo da habitação e falta de apoio para conjugar trabalho e família. Em média, um estudante de doutoramento na Universidade da Califórnia gasta 52% do seu rendimento (antes de impostos) em habitação.
A situação é paradoxal. Os trabalhadores em greve fazem parte de uma elite intelectual numa mega-universidade de onde emergiram 71 prémios Nobel. São responsáveis por uma larga fatia da investigação e ensino nos dez campus da Universidade da Califórnia (incluindo Berkeley e UCLA). Como compensação, ganham salários tão baixos que muitos passam por períodos a viver nos seus carros ou são obrigados a viver a uma ou duas horas de distância do seu lugar de trabalho para conseguirem pagar renda numa casa partilhada.
A greve surge como resposta. Acontece num contexto em que o custo de vida está a aumentar vertiginosamente, e em que um número cada vez maior destes trabalhadores são jovens de classe trabalhadora, racializados, LGBTQ ou imigrantes, sem dinheiro de família para suplementar o seu salário. O objectivo da greve é levar a universidade a aumentos de salário que se ajustem ao custo de vida na região, e apoios à família que permitam pagar custos de cuidado infantil para os filhos.
Mais do que isso, a greve demonstra que necessitamos de organização colectiva dentro das universidades. São necessárias muito melhores condições de trabalho para que as universidades continuem a ser espaços de produção de conhecimento e educação de qualidade, e não parques de diversão para as classes altas. E estas condições não nos vão ser oferecidas por instituições regidas por uma lógica cada vez mais neo-liberal. Precisamos de nos organizar colectivamente para demonstrar que o valor que as universidades produzem é o resultado do trabalho destes investigadores.
Organização colectiva por melhores condições laborais implica quebrar mitos tóxicos sobre o trabalho académico. Implica abandonar a ideia de que trabalho feito por paixão —como investigação muitas vezes é — não conta como trabalho e, portanto, não merece compensação. Pelo contrário, esta ideia tem servido como um instrumento para exploração laboral.
Implica também abandonar o individualismo que permeia muitos meios académicos. As universidades encorajam-nos a competir por publicações, financiamento e empregos com estabilidade que são cada vez mais escassos. Ao organizarmo-nos colectivamente, estamos a construir um mundo com mais oportunidades para todos.
Desta forma, criamos condições para repensar a universidade de forma democrática. Que universidade queremos? Para quem? Para produzir que tipo de conhecimento, e para reproduzir que tipo de relações sociais? Com que condições de trabalho e aprendizagem? Estas perguntas são para todos os que constroem a universidade com o seu trabalho. Este enorme movimento de organização colectiva é o começo de uma resposta.