Poiares Maduro: se Costa interferiu no caso BIC, isso pode ser “razão suficiente” para questionar “a sua continuidade”

Poiares Maduro foi a figura escolhida para coordenar a proposta de revisão constitucional do PSD. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o social-democrata faz críticas a Costa e Marcelo.

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Miguel Poiares Maduro coordenou a proposta de revisão constitucional do PSD Daniel Rocha

Em entrevista para o programa Hora da Verdade do PÚBLICO e Rádio Renascença, Miguel Poiares Maduro avisa António Costa que as trapalhadas do Governo e a confirmação de que interferiu para não retirar Isabel dos Santos do BIC podem ser razões “suficientes” para que a legislatura seja interrompida.

O antigo governador do Banco de Portugal afirmou que foi pressionado pelo primeiro-ministro. O líder do PSD disse que iria continuar a pedir explicações a António Costa. O PSD deve avançar para uma comissão parlamentar de inquérito já ou deve esperar?
Tive oportunidade de ler as perguntas do PSD. Parecem-me muito pertinentes e muito bem feitas. Estou plenamente de acordo com essa estratégia. O primeiro-ministro tem de responder àquelas perguntas. Uma das coisas que tenho ouvido é que é natural que o primeiro-ministro comunique com o governador do Banco de Portugal. É verdade. A independência não é colocada em causa por existir comunicação em matérias em que as competências das duas partes se possam de alguma forma cruzar.

É precisamente por isso que é importante que o governador do Banco de Portugal não seja escolhido pelo primeiro-ministro. Mas, neste caso concreto, trata-se de saber da decisão sobre idoneidade de alguém para o exercício de funções bancárias. Ora, nessa competência do Banco Portugal, o Governo não tem de ter a mínima intervenção.

Se o primeiro-ministro comunicou uma preferência ao governador relativamente a uma questão de escolha de idoneidade para o exercício de funções de administração ou titular de um banco, isso é, do meu ponto de vista, uma interferência inaceitável na independência do Banco Portugal.

Há dois anos, disse que Costa tem a mesma concepção de poder de José Sócrates, um poder absoluto em que não existe margem para escrutínio independente. Dois anos depois, temos uma maioria absoluta. Está mais preocupado com estes sinais?
Acho que António Costa tem essa concepção de poder, que o leva a colocar em causa a independência de entidades que são independentes por uma razão: não serem susceptíveis de tomar decisões em determinadas matérias por oportunidade política. O primeiro-ministro, muitas vezes, se calhar até pode ser que o faça imbuído das melhores razões, mas isso tem um efeito absolutamente perverso no funcionamento do nosso sistema democrático.

É no âmbito da legislação que se devem definir as prioridades políticas. Por exemplo, quando agora se discutiu esta questão da senhora Isabel dos Santos, uma das questões que eu ouvi é que, no fundo, o que o Governo fez foi propor um acordo a Isabel dos Santos e, se esse acordo não fosse cumprido, aplicava-se a lei, que ainda era pior para ela.

Se o primeiro-ministro acha que as leis são inadequadas para resolver os casos da senhora Isabel dos Santos ou de quem seja, mude a lei. Mas não tem de andar a negociar acordos debaixo de um manto de secretismo, independentemente de a boa vontade e de os objectivos não serem perversos de alguma forma. Mas será perverso no funcionamento da nossa democracia e do nosso Estado.

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Miguel Poiares Maduro é professor universitário e ex-governante Daniel Rocha/PUBLICO

E, nesse sentido, como é que vê as declarações do Presidente da República, que saiu em defesa de Costa?
Acho que o Presidente da República devia ser o primeiro a dizer que, se há uma lei para aplicar, aplique-se a lei.

Marcelo Rebelo de Sousa, com esta e outras declarações, tem sido uma desilusão para o PSD?
Acho que o Presidente da República tem enormes virtudes. É alguém genuíno, que se preocupa com as pessoas. Mas é alguém que também tem uma tendência para não perder o seu hábito de comentador televisivo e para se pronunciar permanentemente sobre tudo e alguma coisa. E, ao fazê-lo, muitas vezes, como temos visto, infelizmente acaba por se pronunciar — se calhar, sem ter intenção de o fazer — de uma forma muito infeliz.

Foi assim no caso dos abusos sexuais na Igreja, no caso sobre os direitos humanos no Qatar e acho que também foi assim nesse caso [ao defender o primeiro-ministro]. Tem de conseguir censurar-se um bocadinho mais, escolher melhor, ponderar melhor os momentos em que intervém. Espero que use as suas virtudes e a sua inteligência naquilo que é muito positivo para o país e não se deixe cair em declarações, em gestos precipitados. Sempre que ele intervém de forma precipitada, intervém quase sempre mal.

Com estas trapalhadas, podemos dizer que a legislatura pode ser interrompida a meio e haver eleições antes de 2026?
Não é de excluir esse tipo de circunstância. Numa democracia evoluída — basta ver o que se passou no Reino Unido e noutros [países] —, a confirmar-se que um primeiro-ministro tenha interferido nos poderes de uma autoridade independente, isso poderia ser razão suficiente para colocar em causa a continuação das suas funções. Não sei se se confirmará ou não. Há alegações nesse sentido. É um exemplo. Há circunstâncias que, do meu ponto de vista, devem levar à interrupção da legislatura.

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