Tenho simpatia pelo activismo climático por me parecer uma causa inteiramente justa e racional. Quanto às críticas que lhe são feitas, são parte do debate que se quer e necessário para corrigir excessos e desvios. Para tal, têm que ser construtivas e justas, o que nem sempre acontece. Vou tentar não cometer esse erro.
Dado o carácter sistémico das alterações climáticas, a sensação de impotência que os jovens (e menos jovens) têm é uma das razões para o activismo. O que podemos fazer? Muito pouco. Protestamos então. Se é difícil apresentar soluções tangíveis para o problema, os activistas devem pelo menos gerar debate e empatia para a causa. O activismo não é feito contra as pessoas, mas a favor delas — ainda que muitas não saibam ou não queiram saber.
Aqui começa o primeiro desafio destas manifestações. “Unir Contra o Fracasso Climático” parece-me um terrível erro de comunicação. A união faz a força, mas ser do contra é ser negativo – é a natureza das palavras e a subtileza da comunicação. O fracasso é algo que não queremos contemplar, muito menos fracasso climático. Impossível gerar empatia com um nome cheio de duplas negativas. Os jovens activistas precisam de melhor marketing. Que tal “Unir forças pelo sucesso climático"? Provavelmente iria gerar mais união e empatia.
Segundo, o activismo necessita de ter objectivos claros, com efeitos práticos e consequentes. Foi claro o pedido de reunião com o Ministro da Economia. Mas não terem uma proposta para além de exigir a sua demissão (mais uma vez, uma proposta negativa) é decepcionante. Até porque propostas para pôr em frente de um Ministro da Economia sobre os pontos principais do protesto (fim dos combustíveis fósseis) não faltam. Por exemplo:
- Que Portugal endosse o tratado de não-proliferação de combustíveis fósseis, o apoie através da diplomacia portuguesa e mais tarde adira ao tratado.
- Aprovar uma moratória de 30 anos (uma geração) à exploração de petróleo e gás em todo o território nacional.
- Exigir a revisão do modelo de governança de projectos mineiros em Portugal, para que haja maior transparência, maior envolvimento das populações locais, maior investimento nos territórios onde o lítio será explorado e a adesão de Portugal ao EITI (Iniciativa pela Transparência das Indústrias Extractivas). Acima de tudo, que nos inspiremos no modelo norueguês de governança dos recursos minerais — e não no modelo angolano.
- Aumentar radicalmente a transparência e a comunicação de todas as medidas relacionadas com a acção climática anunciadas e a anunciar pelo Governo, de forma a reforçar as que funcionam e corrigir as que não funcionam.
Com um pouco de esforço, estudo e imaginação, os estudantes poderiam ter listado mais 100 medidas. O activismo deve ser construtivo e apresentar ideias válidas – não lhe basta ter uma causa justa.
Por fim, chocou-me à pessoa de António Costa e Silva – que não conheço de lado algum — pelo seu carácter intolerante. Não é contra a política do ministro. É pessoal. Isto apesar de o ministro estar do lado dos estudantes: apoiando a causa publicamente, recebendo-os com atenção e paciência, tentando ouvir as suas propostas.
Para os activistas, ter sido CEO de uma empresa petrolífera (a Partex) justifica a demissão. É um acerto de contas com base em primeiras impressões, rápidas e superficiais. Esse estilo, não gera em mim qualquer simpatia, pelo contrário. Não se trata de ser activista “fofinho”. Trata-se de ser justo.
A Partex não é uma empresa qualquer. É simplesmente a empresa criada por Calouste Gulbenkian, o maior benemérito de apoio ao desenvolvimento de Portugal ao longo do séc. XX. A Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) foi, ao mesmo tempo, Ministério da Cultura, da Saúde e do Ensino em Portugal. Tudo isto foi feito com dinheiro de onde? Sim, feito com o dinheiro das participações da Partex, dinheiro do petróleo.
António Costa e Silva foi “apenas” o CEO da Partex na altura em que a Gulbenkian se preparava para desinvestir as suas participações do petróleo, colocando-as em indústrias e negócios mais sustentáveis. Na minha leitura, talvez errada, terá provavelmente sido instrumental para a resiliência e alinhamento ético da FCG com a sua missão através do desinvestimento na indústria fóssil. Mais do que a eventual ignorância sobre estes factos, preocupa-me a intolerância. Como disse o ministro: “Não basta falar de justiça climática, mas também de justiça humana.” O activista incomoda e não há problema com isso, mas não deve ser humanamente injusto. Não basta à causa ser justa, há também que proceder com justiça, tolerância e compaixão.
Se o fizerem, irão ver que o público, lenta ou rapidamente, mudará para vos apoiar e assim estarão melhor posicionados para atingir os vossos objectivos. Não há nada tão poderoso como uma causa justa cujo tempo chegou. E esta é a causa do nosso tempo.