Sofia Noronha, a produtora que trouxe House of the Dragon e Velocidade Furiosa para Portugal
Com 30 anos, Sofia Noronha foi uma das responsáveis pela rodagem de House of the Dragon e Velocidade Furiosa em Portugal. “Falta entender que isto é uma indústria que vai beneficiar vários sectores.”
"Pôr Hollywood dentro de Portugal” e, por sua vez, posicionar o país no mapa da indústria do cinema com produções 100% portuguesas são apenas alguns dos objectivos de Sofia Noronha, a produtora responsável pelas rodagens nacionais de blockbusters como House of the Dragon, prequela de A Guerra dos Tronos, e o décimo Velocidade Furiosa.
Conseguir trazer megaproduções como estas foi uma prova da “confiança” da HBO e da Universal Studios no trabalho que tem vindo a realizar, considera. “Como eu já tinha trabalhado em alguns projectos internacionalmente, eles confiaram nos nossos conhecimentos locais para conseguir trazer outros projectos”, diz a fundadora da Sagesse Productions, que esteve envolvida em produções como The Thief, His Wife and the Canoe (2022) e The Unholy (2021).
No entanto, tal também traz desafios, uma vez que Portugal ainda não está ao mesmo nível que outros países na indústria. E a dimensão das equipas também foi uma adversidade: “Conseguimos ter equipas desde 100 a 500/1000 pessoas e o grande desafio é mesmo coordenar isso tudo”, sublinha a produtora executiva de 30 anos. A isto, acresce ainda a dificuldade de ajustar os protocolos internacionais com os portugueses, o que para Sofia é, “sem dúvida, o maior desafio”.
Com a rodagem de Velocidade Furiosa, Portugal ficou “bem-visto” internacionalmente, afiança — afinal, foi o único país onde se conseguiu fechar uma auto-estrada em pleno funcionamento para as filmagens. No total, foram “uns 70 a 100 quilómetros” que estiveram interditos durante um mês, por troços. “Normalmente, só se consegue fechar auto-estradas quando estão em construção e, quando se consegue, é cinco quilómetros. Por isso, aquilo que Portugal conseguiu fazer em conjunto, porque foi um conjunto unido que fez estas forças, foi mesmo de valorizar.”
Já em House of the Dragon os obstáculos foram outros. Chegavam a estar no local das filmagens “200 a 300 figurantes” e ainda todos os membros da equipa, o que levava a que o stress também entrasse em cena. O segredo para que tudo funcionasse era “delegar e confiar” nos colegas ("os braços direitos"), sabendo que “cada chefe de departamento tem uma equipa na qual eles confiam também, porque é impossível conhecer mil pessoas”.
Apesar de estas “megaproduções” terem colocado Portugal na rota da indústria do cinema, o que mais atrai os estúdios a filmar e produzir cá são os “incentivos fiscais”, ressalva a produtora. Em 2018, quando estes incentivos foram implementados, as produtoras começaram a ter mais interesse, uma vez que passaram a receber um “cash rebate” – sistema, promovido pelos ministérios da Cultura, Finanças e Turismo de Portugal através do Instituto do Cinema e do Audiovisual e promoção da Portugal Film Comission, que devolve uma percentagem do valor que se gasta. Ou seja, embora paguem mais impostos, acabam por ter um retorno do valor investido, ainda que se estejam a registar actualmente atrasos nesses pagamentos.
Ainda assim, Sofia Noronha considera que ainda há um grande caminho a percorrer para que Portugal se torne um ícone do cinema. “O Governo tem de se envolver mais e o país também tem de entender que isto é uma indústria que vai beneficiar vários sectores. Não é só uma indústria de entretenimento, é também uma indústria de investimento real na economia.” Ressalva, ainda, que sente que Portugal ainda não compreende que nesta área “há espaço para toda a gente”.
Para quem quer entrar nesta indústria, a produtora aconselha a “questionar tudo e tentar saber, procurar e trabalhar”. No fundo, a “nunca parar, nunca sentir que já se fez o suficiente” e a abraçar “qualquer oportunidade”. “Este mundo é feito de oportunidades e, às vezes, podes estar a fazer de assistente num trabalho em que estás a receber uma ninharia, e depois és chamado para fazer de produtor num grande projecto, isso já me aconteceu.”
Do teatro ao cinema
Cresceu num ambiente familiar que não é muito diferente daquele que encontra hoje numa produção. Sempre foi “frenética” e com vontade de estar “sempre a querer fazer coisas”. E viver numa casa com mais três irmãs era sinónimo de “berros, cabelos e roupas de um lado para o outro”, graceja. “Sinto-me em casa no meio da produção, que é isso basicamente, sempre um ritmo frenético”.
Estar atrás das câmaras até não era o seu primeiro plano. Tudo começou pelo teatro, um gosto nutrido pela avó, que lhe mostrava diversas peças. Assim, aos 15 anos, entrou na Escola Profissional de Teatro de Cascais determinada em ser actriz, saindo “um pouco do baralho” da sua família; aos 18, prolongou os estudos para Londres. “Tinha esse sonho de perceber como é que é o teatro lá e acabei por ir e por trabalhar num”, relembra.
Partiu de Lisboa e conheceu um universo novo. “Londres é das maiores cidades do mundo e tem pessoas de todo o mundo, então a mistura de culturas é sempre muito enriquecedora. E o facto de muita gente ir para lá precisamente por causa desta indústria faz com que muita gente queira aquilo, esteja lá por paixão e isso aumenta o desejo de que as coisas andem para a frente.” Uma “garra”, uma “ambição de que as coisas cresçam” que gostava de encontrar mais em Portugal.
Foi como actriz que começou a conhecer o trabalho de quem produzia as peças. E foi quando começou a produzir os seus próprios trabalhos que percebeu que era disso que realmente gostava, não tanto de estar em palco. “Hoje em dia, agradeço muito ter tido esse caminho porque me deu imenso conhecimento da indústria”, diz.
Viver em diferentes pontos do mundo também lhe deu outros conhecimentos e “contactos”. Portugal, Londres, Los Angeles, Madrid, Tenerife e Cáceres são apenas algumas das cidades onde já viveu. Entre idas e voltas, conheceu muita gente de diferentes áreas, o que foi fundamental para trabalhar neste sector: “Esta carreira é muito sobre contactos. Então, se tu fizeres bons contactos e eles confiarem em ti, consegues fazer negócio.”
Durante a pandemia, decidiu criar a sua própria empresa — a Sagesse Productions — e, assim, ter a sua produtora. Herança dos tempos de Londres, continua a ter uma “sede de querer que as coisas aconteçam” — “e não há nada melhor que termos o nosso próprio destino”. É o que tenta fazer, todos os dias. “Sinto que ainda há um caminho muito grande, sinto que é um vale de montanhas, por isso estamos sempre a subir e a descer”, confessa. Entre todos os projectos que gostaria de concretizar, “contar histórias” que mexam com ela, inclusive sobre Portugal, é um dos grandes objectivos. “E ganhar um Óscar”, diz, em tom risonho.
Texto editado por Amanda Ribeiro
Actualização: foi clarificada a informação sobre o sistema “cash rebate” presente no 6.º parágrafo