Antidepressivos e ganho de peso. O ovo ou a galinha?

Nem a depressão nem a obesidade se tratam com apenas uma consulta nem com um ou dois meses de medicação.

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A dieta flexível é importante sobretudo em indivíduos com depressão Nelson Garrido

Tentar responder a esta pergunta tem tanto de complexo como de inútil. Quando se faz uma análise geral sobre os estudos sobre o tema, a conclusão parece óbvia, mas eventualmente falaciosa: a toma de antidepressivos está associada a um aumento de peso. Tendo em conta estes dados (que são inegáveis), podemos analisar a questão sob outra perspectiva:

Qual seria o aumento de peso destas pessoas se não estivessem medicadas com antidepressivos?

Sendo a prevalência de obesidade duas a três vezes maior em pessoas com doença mental, e a prevalência de depressão duas vezes maior em indivíduos com obesidade, começamos já a perceber a intrincada relação entre estas duas condições que partilham vários factores de risco, como a inatividade física, maus hábitos alimentares e um padrão de sono irregular. As próprias citocinas pro-inflamatórias produzidas pelo tecido adiposo visceral são igualmente utilizadas como marcadores de depressão por terem a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e diminuir a produção de serotonina. E este círculo vicioso adensa-se quando também se observa que indivíduos com depressão já apresentam uma inflamação maior, independentemente de terem peso a mais ou não.

Poderá ser mais fácil começar a desatar este “nó” pelo lado da depressão do que pelo da obesidade e tal pode ser constatado de forma aparentemente óbvia. Em períodos de tristeza profunda (morte de um familiar) ou de stress agudo (término de uma relação/despedimento/época de exame), vê-se a ter capacidade emocional para ter escolhas racionais e ponderadas na alimentação? Não será essa mesma estabilidade emocional a base da pirâmide que lhe permite a posteriori preocupar-se com outras questões alimentares também elas importantes, mas num patamar secundário?

Nem todos os antidepressivos são iguais e o risco de aumento de peso é de facto maior para uns (mirtazapina, paroxetina, eventualmente citalopram) do que para outros (sertralina, fluoxetina, bupropion). Mas mesmo quando falamos do antidepressivo que consensualmente pode levar a um maior aumento de peso, a mirtazapina, é importante ter em conta que a sua prescrição é muita das vezes feita devido aos seus efeitos sedativos e para indução do sono. Sabendo de todos os efeitos nefastos que a restrição do sono pode ter no stress, aumento do craving por doces, controlo glicémico e afins, não será mais produtivo melhorar a qualidade do sono e gerir o hipotético aumento do apetite de outra forma? Por outro lado, a combinação de bupropion e naltrexona é já autorizada e utilizada na perda de peso, mas é sempre necessária ponderação entre os possíveis efeitos secundários e a perda de peso esperada.

A perda e ganho de peso e o efeito destes fármacos é um processo extremamente individual e, como tal, todos os estudos de associação atrás citados não se poderão sobrepor à avaliação integral de cada pessoa. Nem a depressão nem a obesidade se tratam com apenas uma consulta nem com um ou dois meses de medicação. Será sempre necessário analisar quais as melhorias que determinado fármaco causou no humor, capacidade de trabalho, vida social, predisposição para treinar, controlo de cravings, autoestima e autorrealização. Não terão sido estas mudanças mais positivas na alimentação a longo prazo, mesmo que não se tenham traduzido numa diminuição de peso a curto prazo? Não será melhor começar a consumir mais calorias em contexto social por ter conseguido ter a capacidade e vontade de sair de casa e de socializar em vez de comer as mesmas (ou mais) calorias mas sozinho em casa na sua “bolha”? Fazendo um paralelismo com um tema totalmente diferente, da mesma forma que a sua saúde agradece que tenha deixado de fumar, mesmo que ganhando uns quilos, também aqui, a melhoria da saúde mental que poderá ter irá sobrepor-se largamente a um potencial aumento de peso, que sendo honestos dependerá muito mais do comportamento alimentar da pessoa (e de tudo o que o envolve) do que da medicação.

É por isso fundamental reforçar a importância que uma “dieta” flexível pode ter em todas as pessoas, mas sobretudo em indivíduos com depressão. Restringir calorias e restringir sabor em simultâneo ou dar listas de “alimentos proibidos” é uma receita com 100% de probabilidade de insucesso, tal como o é ter uma postura clínica pressionante e culpabilizante quando existe uma estagnação ou retrocesso no peso perante uma pessoa que já se fustiga diariamente pela sua condição atual.

Adequar os níveis de vitamina D e a suplementação com ómega 3 poderão igualmente ter um efeito positivo na sintomatologia depressiva e ambiente inflamatório inerente, sendo os seus modestos resultados amparados pela ausência de efeitos secundários.

Em suma, não há que ter “vergonha” em pedir ajuda médica nem se deve considerar uma pessoa “fraca” por tomar medicação antidepressiva, da mesma forma que não há que ter medo do potencial efeito secundário da mesma no peso. Se sente que o apetite ou o peso aumentou ou qualquer outro efeito adverso, fale abertamente com o seu médico e não interrompa o tratamento de forma autónoma.

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