Desde a sua criação em 1979, o SNS tem tentado acompanhar 43 anos de (r)evoluções dentro e fora de Portugal para continuar a assegurar o direito universal à saúde a que se propôs no conturbado período que sucedeu à implantação da Terceira República Portuguesa. Segundo o Banco Mundial, à data da fundação do SNS, a esperança média de vida à nascença no nosso país situava-se nos 71 anos, abaixo de praticamente todos os seus pares europeus à data. Volvidas mais de quatro décadas, vivemos hoje num país considerado como “desenvolvido”, em que é expectável vivermos em média mais 10 anos do que em 1979. Para além disso, se o PIB servir como proxy da nossa qualidade de vida, facilmente inferimos que um PIB 32 vezes maior do que há 43 anos significará alguma coisa.
Ainda assim, muito se ouve falar de que vivemos num “país de velhos” em que as pensões das gerações que nos trouxeram até aqui dificultam a sustentabilidade das gerações que lá chegarão. Quem o afirma tem os seus motivos e as suas razões, mas, a verdade, é que também vivemos num país em que 30% da população tem menos de 30 anos – em oposição aos 29% que têm mais de 60. Não há assim tão poucos jovens como o enviesamento de disponibilidade da sociedade faz parecer. O que há é um número absurdamente baixo de jovens em idade laboral com emprego em relação às gerações mais velhas dominantes e activas no mercado de trabalho.
Muito se fala também, e justamente, dos baixíssimos rendimentos desses jovens em relação ao seu nível de escolaridade (o que choca com a premissa “mais estudos, mais dinheiro, mais felicidade”, que parece não se aplicar por cá), da invariável desigualdade de género (sabendo que mais mulheres do que homens terminam o ensino superior, mas que continua a pressão sobre as primeiras para manterem simultaneamente o estereótipo já ultrapassado da “fada do lar”), e do insustentável e, porém, crescente custo de vida que perpetuamente afasta a emancipação financeira para lá dos 30 anos.
Naturalmente, a situação socioeconómica dos portugueses que querem construir a sua vida, motivada pelo enquadramento político nacional e pelos factores externos bem conhecidos de todos, põe em causa múltiplos sonhos e futuros. Não é por isso de admirar que o fecho de urgências obstétricas e maternidades seja cada vez mais uma realidade, apesar das urgências serem um dos serviços hospitalares mais eficientes. De facto, olhando para a taxa de natalidade em Portugal, percebemos que nascem sensivelmente oito bebés por cada mil habitantes – metade de há 43 anos.
Juntando a isto o facto de que camas hospitalares para adultos são mais lucrativas do que camas para crianças – numa altura em que serviços “não tão essenciais” como o pediátrico viram a sua capacidade ser dizimada pela explosão de procura das faixas etárias mais velhas –, facilmente percebemos que um SNS em luta constante pela sua sobrevivência tem de cortar nas áreas que fazem menos falta. Se a moralidade daquelas práticas é duvidosa, ainda para mais num serviço que tem como premissa prevenir, diagnosticar, tratar e reabilitar todos os que por cá se encontram, passar das palavras aos actos ainda mais moralmente duvidoso será.
Tudo isto tem e terá certamente repercussões, principalmente na altura em que a sociedade portuguesa assentar na produtividade dos millennials e zoomers que tão menosprezados são agora. No final, o tempo passa e os jovens portugueses são paulatinamente deixados para trás. As acções ficarão com quem as pratica, mas as consequências não.