Jovens LGBTQ+ nas escolas portuguesas: uma situação dramática

Os jovens LGBTQ+ são mais vítimas de bullying, apresentam uma saúde mental mais frágil e percepcionam a escola como menos inclusiva, comparativamente com colegas não-LGBTQ+.

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LGBT Nuno Ferreira Santos

Assinala-se hoje, dia 20 de Outubro, o Dia Mundial de Combate ao Bullying. Esta forma de violência corresponde a um padrão de comportamento intencional e agressivo recorrente contra uma vítima, numa situação em que há um desequilíbrio real ou percebido de poder e em que a vítima se sente vulnerável e impotente para se defender.

Os comportamentos de bullying podem ser físicos (por exemplo, empurrões e destruição de bens), verbais (provocações, insultos e ameaças) ou relacionais (difamação e exclusão de um grupo). De acordo com a UNESCO, este é um problema que afecta desproporcionalmente os membros da comunidade escolar que se encontram numa situação de maior vulnerabilidade social, nomeadamente as crianças e adolescentes cuja orientação sexual, identidade ou expressão de género não coincide com as normas sociais ou de género tradicionais.

Dados recentes recolhidos em Portugal no âmbito do Projecto Free (estudo internacional sobre o bem-estar na escola, envolvendo 13 países europeus), junto de cerca de 1200 estudantes com idades compreendidas entre os 14 e os 19 anos, permitem traçar um retrato exaustivo e factual sobre as suas experiências de bullying e o seu bem-estar. Um dos nossos objectivos consistiu em averiguar as experiências de bullying e a saúde mental dos/as jovens LGBTQ+, comparando-as com as dos seus e das suas congéneres não-LGBTQ+ (jovens dentro da dita “norma”). Os resultados são inequívocos: são os/as jovens não-heterossexuais, que têm uma identidade trans/não binária e que são percepcionados/as como tendo uma expressão de género não normativa (rapazes mais “femininos” e raparigas mais “masculinas”) que sofrem mais bullying (genérico e de carácter LGBTQ-fóbico) e que apresentam uma auto-estima mais baixa, índices mais elevados de depressão, ansiedade generalizada, risco de suicídio e comportamentos autolesivos.

Sabendo que a menção explícita dos direitos das crianças e jovens LGBTQ+ nos regulamentos escolares e a inclusão de conteúdos relacionados com a diversidade sexual e de género nos currículos tem um efeito positivo no bem-estar destes/as jovens, procurámos também investigar em que medida a população escolar inquirida estava consciente da existência destas medidas. Apenas uma minoria de estudantes referiu que as suas escolas tinham políticas anti-bullying que mencionavam a orientação sexual e identidade de género e que o currículo incluía questões LGBTQ+.

Por sua vez, os/as estudantes de minorias sexuais e de género que percepcionavam as escolas como menos inclusivas apresentavam também uma auto-estima mais baixa e níveis mais elevados de depressão. Em síntese, os/as jovens LGBTQ+ são mais vítimas de bullying, apresentam uma saúde mental mais frágil e percepcionam a escola como menos inclusiva, comparativamente com colegas não-LGBTQ+.

As linhas orientadoras e os planos nacionais de igualdade (de que Portugal já dispõe) são importantes, mas a realidade mostra que não são suficientes. São necessárias medidas concretas e específicas nas escolas, que criem um ambiente seguro e inclusivo, por exemplo:

  1. A criação e implementação de estratégias de sensibilização de pares que potenciem o seu papel enquanto aliados/as;A
  2. A promoção, junto das comunidades escolares e estudantes em particular, de estratégias de prevenção de comportamentos abusivos, e de capacitação para a adopção de estratégias assertivas em situações em que estes ocorrem;
  3. O reforço da formação e sensibilização de pessoal docente e não docente para as temáticas da orientação sexual, identidade de género e expressão de género;
  4. A sinalização junto dos agrupamentos escolares relativamente à prioridade de contribuir para criar um clima escolar mais seguro e inclusivo para jovens LGBTQ+, designadamente nos planos anuais de actividades;
  5. O fomento e facilitação de estruturas informais nas comunidades constituídas por jovens e apoiadas por docentes e pessoal não docente, com o formato de clubes ou alianças (gay-straight aliances);
  6. A inclusão de temáticas LGBTQ+ nos currículos e nos manuais escolares, de modo a contrariar estereótipos redutores sobre género e sexualidade;
  7. Alertar as comunidades escolares para a necessidade de respeitar as especificidades das vivências de pessoas jovens trans ou não binárias, designadamente no respeito pelos pronomes e nome social, assim como na articulação para um uso seguro de casas de banho e balneários, e no respeito pela identidade de género em todas as actividades curriculares e extracurriculares que envolvem divisão por género.
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