Venda de pais a filhos ou de avós a netos

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"Se uma venda for feita sem o mencionado consentimento, essa venda é anulável, pelos filhos ou netos" Tiago Lopes

O artigo 877.º do Código Civil rege a matéria relativa à venda de pais a filhos ou avós a netos. Dispõe este artigo:

«1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é suscetível de suprimento judicial.

“2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.

“3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente”

Pretende-se com esta norma evitar situações em que, de forma encapotada, pais ou avós privilegiem filhos ou netos, através de doações escondidas numa aparência de venda.

Em consequência, se uma venda for feita sem o mencionado consentimento, essa venda é anulável, pelos filhos ou netos, que na mesma não consentiram, os quais podem, nos termos do n.º 2 do artigo supra transcrito, requerer a declaração de anulabilidade da venda, tendo que o fazer no prazo de um ano, a contar do conhecimento da prática do ato.

Este prazo de um ano é um prazo de caducidade, significando tal que o decurso do prazo de um ano extingue o direito a arguir a anulabilidade da venda, significando ainda que, cabe a quem invoca o direito, fazer a prova da existência do mesmo e de que o exerce dentro do prazo legal.

Se o fizerem e se a venda vier a ser anulada, tal significa que, nos termos do artigo 289.º n.º 1 do Código Civil, deverá ser restituído tudo aquilo que tiver sido prestado ou, caso não seja possível, deverão ser feitas restituições dos valores correspondentes.

Discute-se na doutrina e na jurisprudência, a admissibilidade da interpretação analógica e extensiva do artigo 877.º do Código Civil (supra transcrito), no sentido de que também a venda aos cônjuges dos filhos ou netos terá que ser consentida, isto porque a interpretação extensiva pretende garantir que se impeça que, indiretamente, se alcance o efeito que a norma do artigo 877.º proíbe.

Situação diferente é aquela em que seja feita uma venda, por exemplo, ao namorado de uma filha ou neta, independentemente de, no futuro, a filho ou neta e o namorado virem a casar, ou não.

Com efeito, sendo a venda feita ao namorado de uma neta impõe-se a conclusão de que, à data da venda, não existe qualquer grau de parentesco entre a vendedora e o comprador e, sendo a existência do grau de parentesco imprescindível para que o negócio seja anulável, se não for prestado o consentimento, a venda será válida.

Poderá sempre alegar-se, caso seja essa a situação, a existência de um negócio simulado, sendo que, neste caso, os requisitos de procedência da ação serão diferentes dos da anulação com base na falta de consentimento ao abrigo do artigo 877.º do Código Civil.

Esta situação de negócio simulado poderá colocar-se se a venda feita ao namorado da filha ou neta consubstanciar uma doação escondida à filha ou neta do vendedor, namorada do comprador e que, por via do recurso ao expediente de uma venda a terceiro, com casamento posterior no regime da comunhão geral de bens, consegue ficar proprietária do bem vendido contornando a exigência do artigo 877.º do Código Civil do consentimento dos descendentes para a validade do negócio.


As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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