No subsolo de Lisboa há pistas dos sabores da cozinha da Roma Antiga
No âmbito do projecto Lisboa Romana, a Estação Fluvial Sul e Sueste recriou um jantar histórico inspirado na gastronomia romana para reviver os paladares da cidade Olisipo da Roma Antiga
No subsolo de Lisboa existem milhares de vestígios do Império Romano. E há quem tente através dessas pistas que sobreviveram ao tempo descobrir hábitos e costumes do passado. Intrinsecamente ligada a essas rotinas está a gastronomia. Será possível através da arqueologia descobrir como e o que se comia na capital portuguesa durante o período romano?
A resposta é afirmativa. No âmbito do projecto Lisboa Romana | Felicitas Olisipo, que pretende divulgar a herança cultural da Roma Antiga, organizou-se há umas semanas um jantar inspirado na cozinha romana, tendo sido recriado um pequeno mercado de produtos portugueses que faziam parte do quotidiano das antigas cidades.
Na época da Roma Antiga, a alimentação baseava-se em produtos como o azeite, especiarias, peixe, ervas aromáticas e grandes quantidade de frutos secos e mel. Inspirado nos hábitos de alimentação dos romanos, o chef Vítor Sobral, em parceria com a Conserveira de Lisboa, criou três conservas: Cavalinhas com Tâmaras, Atum de Ânfora e Cenoura à Romana.
E como é que chegou à receita final destas iguarias? “Pesquisei e li como fazer algo que fosse semelhante com a forma como os romanos se alimentavam”, explica Vítor Sobral ao PÚBLICO. Feitas com produtos semelhantes à época, as conservas podem ser adquiridas nesta loja histórica especializada em conservas de peixe, que se situa há 80 anos na baixa lisboeta.
Este jantar foi em Setembro, mas o projecto ainda continua. Em 2023, vão realizar-se duas palestras para os alunos de duas escolas de hotelaria, de Lisboa e do Estoril, para posteriormente replicarem os três pratos confeccionados durante os showcooking do evento.
Para Inês de Ornellas e Castro, responsável pela tradução d'O Livro de Cozinha de Apício – Um Breviário do Gosto Imperial e investigadora do Instituto de Estudos de Literatura e Tradição (IELT – NOVA FCSH) a recriação foi “inteligente”. Segundo a autora do livro de receitas do império romano, “não há melhor forma de descobrir uma civilização do que conhecer a sua mesa” e os seus costumes durante as refeições.
Os costumes dessa altura também moldaram os nossos hábitos, como, por exemplo, a prática de se dividir as refeições em três partes. A investigadora explica ainda que em Lisboa foram encontrados vestígios de cetárias, que são tanques de forma rectangular destinados à salga e produção de diversos molhos e preparados de peixe. O condimento mais usado era o garum, feito de sangue, vísceras e outras partes de atum ou de cavala, misturado com peixes, crustáceos e moluscos.
Iniciado em 2017, o Projecto Lisboa Romana
Felicitas Iulia Olisipo, desenvolveu uma colecção temática constituída por oito volumes e tem como objectivo tornar possível, visitas regulares ao criptopórtico romano da capital para que seja uma “porta de entrada para a cidade romana”. Actualmente, as Galerias Romanas são só visitáveis duas vezes por ano, em Março e Setembro.
Segundo António Marques, um dos coordenadores do projecto e arqueólogo no Centro de Arqueologia de Lisboa, a iniciativa tem como “objectivo estimular a produção e a criação, bem como a redescoberta de alguns produtos que na época romana eram produzidos na Olisipo e exportados para o resto do mundo”.
Este projecto reúne os municípios da Área Metropolitana de Lisboa com o intuito de promover o território rural na esfera da cidade e transmitir a ideia de unidade do antigo município da época romana, estimulando ao mesmo tempo a economia local.
Numa parceira com a Associação de Turismo de Lisboa, foram vários os participantes que marcaram presença no mercado romano, como a Queijaria Artesanal Simões, na Quinta do Anjo, localizada em Palmela, que associou a este projecto o queijo de Azeitão, um queijo curado de ovelha, em folhas de castanheiro; a Espargos do Vale Transmontano, a produtora de espargos, mel, azeite e chá; a Uvada de Torres Vedras, um doce tradicional do município, preparado com mosto de uva fervido, pedaços de maçãs e canela; a Cooperativa Agrícola de Loures, que deu a conhecer o Mel Multifloral, um produto natural usado na gastronomia desde a Antiguidade; a Quinta de S. Sebastião, produtora de vinhos de Arruda dos Vinhos; a Olaria Romana da Quinta do Rouxinol, de Corroios; Villa Romana da Quinta da Bolacha, em representação do concelho da Amadora e o Museu Marítimo de Sesimbra. Todos estes produtos são inspirados na Roma Antiga.