A história das guerreiras Agojie que inspira mulheres negras “independentes e resistentes”

Inspirado por mulheres guerreiras reais, a ante-estreia do filme A Mulher Rei reuniu nesta terça-feira em Lisboa 200 mulheres negras para celebrar o empoderamento da mulher e o feminismo afrodescendente.

Ante Estreia do Filme Mulher Rei no cinema city campo pequeno
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O Chá de Beleza Afro, em parceria com a BANTUMEN e a Sony Pictures, juntaram mais de 200 mulheres africanas para assistir à antestreia do filme "A Mulher Rei" Ana Brígida
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Antestreia do Filme "A Mulher Rei" no cinema City Campo Pequeno Ana Brígida

As mulheres guerreiras Agojie defenderam o reino do Daomé, na África Ocidental, onde actualmente se situa o Benim, entre os séculos XVII e XIX. Eram à época um dos mais temidos exércitos na região, num tempo em que os direitos das mulheres estavam em perigo, tornando-se hoje um símbolo de coragem e emancipação.

Nesta terça-feira, a história de coragem e tenacidade deste que é um dos raros exércitos femininos documentados na história moderna ganhou vida nas telas do cinema português e juntou mais de 200 mulheres negras numa das salas do Cinema City do Campo Pequeno, em Lisboa, para assistirem à ante-estreia do filme A Mulher Rei. A longa-metragem, que acompanha a ameaça de invasão do reino que as Agojie protegem pelo império rival Oyo, foi realizada pela norte-americana Gina Prince-Bythewood e estreou-se nesta quarta-feira nos cinemas de todo o país.

Para criar um ambiente de empoderamento e potenciar o feminismo afrodescendente, o Chá de Beleza Afro, uma plataforma de networking de mulheres negras, desafiou a produtora Sony Pictures a criar um evento que juntasse a comunidade, com a garantia de conseguirem convidar 200 pessoas. Numa parceria com a revista Bantumen, a RTP África e o programa “Bem-Vindos”, a fundadora da plataforma, Neusa Sousa, quis reunir várias mulheres africanas radicadas em Portugal e “que têm sede de ver representatividade no grande ecrã”.

“Senti a necessidade de juntar mulheres negras após ter assistido à antestreia do filme na Casa do Brasil, porque estavam pouco representadas”, disse ao PÚBLICO. “Este é um filme poderoso, porque vemos o outro lado da mulher negra sem ser escrava, algo que não estamos habituados a ver.” E, por isso, Neusa Sousa espera que mais filmes como este continuem a ser feitos, para que “a comunidade negra se reveja e perceba que é possível fazer cultura, teatro e cinema para podermos contar a nossa história, não deixando que seja contada por nós”.

A celebração desta comunidade e do universo do feminismo negro ocorreu simultaneamente em Angola, tal como antes tinha ocorrido já nos Estados Unidos, contou Sandra Lopes, representante da Sony Pictures Portugal, que escolheu como embaixadora do filme a cantora africana Soraia Ramos.

Mulheres guerreiras

São várias as mulheres africanas que se revêem na história das Agojie e que lidam com o trauma da violência sexual, do abandono familiar e do casamento forçado. É uma realidade comum para muitas mulheres negras que cresceram com a cultura africana, disse à margem do encontro no Cinema City Nádia Silva, apresentadora do talk-show da RTP África “Bem-Vindos”. “Descrever A Mulher Rei é descrever-me enquanto mulher”, definiu.

ana brigida
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ana brigida

Resume o filme como uma obra sobre o “poder”, um poder que é característico da mulher africana “que batalha, tem objectivos e faz frente a um mundo maioritariamente dominado pelos homens”. E o grito expressado pelas guerreiras será um lema que vai aplicar na sua vida. “Agojie – uma expressão que nos dá força e perspectiva de futuro enquanto mulheres. É empoderamento feminino, muita luta e muita garra. É um filme bem preparado onde a história negra, a cultura, a terra e os detalhes não foram alvo de apropriação cultural, muito menos maquilhados e editados. Vemos uma África pura e mulheres africanas num padrão onde é possível identificar-me”, descreve Nádia Silva.

Para além do poder e da força que emana do filme, Joacine Katar Moreira, historiadora, activista e antiga deputada, sublinha que o filme desmistifica várias ideias “sobre a história colonial, sobre África e sobre os africanos e as africanas”, que no ocidente são narradas sobretudo na perspectiva do antigo colonizador. Para a historiadora, o filme revela o encontro violento, sangrento, hierárquico e hegemónico entre colonizadores e colonizados. Considera que Portugal continua a privilegiar uma história da epopeia colonial, feita de heróis e heroínas, que nos mostra a colonização como branda e como um encontro de povos e culturas.

“Embora seja uma produção norte-americana, o filme faz um esforço para nos dar uma óptica do africano, do colonizado, a óptica do oprimido. Uma óptica de resistência, de empoderamento e valorização da africanidade das nossas heranças”, diz Joacine, outra das presenças que se fizeram notar na ante-estreia do filme em Lisboa. Para a antiga deputada independente, uma das raras mulheres negras que tiveram até hoje assento na Assembleia da República, A Mulher Rei é também um convite à “mulher independente, resistente e emancipada que existe em cada uma de nós”.

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