Eleições no Brasil: desesperança como estratégia política

Mais do que nunca é preciso contra-atacar o medo com coragem.

Desde o impedimento da então mandatária do Brasil em 2016 Dilma Roussef - recentemente inocentada das acusações que a tiraram do cargo – o mundo tem assistido a uma escalada de autoritarismo e violência no país. Enquanto muitos especialistas, ativistas e políticos denunciavam com temor a possibilidade de um golpe militar caso Jair Bolsonaro fosse eleito em 2018, o que de facto temos visto é um aprimoramento do poder disciplinador do Estado, muito mais eficaz e não menos letal.

Segundo o relatório lançado pelo Conselho Indigenista Missionário, o ano de 2021 pode ter sido para muitos povos indígenas o pior deste século. O processo de desmonte das instituições que deveriam resguardá-los, bem como a banalização da barbárie minimizada pelo atual chefe de Estado brasileiro e o incentivo às atividades de mineração e agrícolas em áreas protegidas na Amazónia incluindo indígenas, dimensiona a gravidade da situação. O número de casos de violência contra os povos originários é em 2021 o maior dos últimos nove anos.

Nas periferias dos grandes centros urbanos, a violação de direitos humanos é uma constante. Dados levantados pelo Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo (USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública sinalizam que cerca de 6,4 mil pessoas morreram como resultado da violência policial em 2020, sendo que em 2021 foram 6,1 mil. Se levarmos em conta os desaparecidos e as cifras negras, esse número pode ser ainda maior. Nos últimos três anos, ninguém foi condenado por nenhuma chacina.

No campo da educação, os dados também são alarmantes, nomeadamente o corte de cerca de 87% da verba para ciência e tecnologia. Hoje o Brasil tem cerca de 17 universidades federais que correm risco de fechar as portas. Enquanto em grande parte das democracias contemporâneas assiste-se com alguma perplexidade ao colapso democrático de um dos maiores países do mundo, é importante refletir sobre o quão frágil e vulnerável é a democracia brasileira e quais os motivos. A realidade é que qualquer corpo subalternizado no Brasil sente na pele que o país nunca foi uma verdadeira democracia.

Enquanto igrejas evangélicas neopentecostais tem adentrado o espaço político como poder disciplinador, palavras como limpar, travar, varrer, bem contra o mal, cidadão de bem, têm-se constituído não só como bravatas discursivas, mas como a evocação de uma lógica de guerra que tem como líder Jair Bolsonaro – isto é, escândalos de corrupção, desmonte das instituições e entraves diretos, que impõem sigilo às investigações que envolvem diretamente os interesses da família Bolsonaro, tornaram-se numa agenda comum.

O número crescente de violência motivada por intolerância religiosa e política também tem aumentado percetivelmente. Às vésperas das eleições, muitos temem manifestar suas preferências por medo. O clima de hostilidade que tem naturalizado homicídios e discussões violentas, tem também gerado um entrave nocivo e aniquilador de uma liberdade democrática tão básica como o direito de manifestar-se. Mais do que nunca é preciso contra-atacar o medo com coragem.

Se a extrema-direita radicaliza o seu discurso e a resposta do campo progressista não segue a mesma radicalidade nas pautas que defende, temos claramente um desequilíbrio perigoso. Enquanto a esquerda hegemónica não faz a disputa política que deveria e continua a evocar poderes como Supremo Tribunal Federal (que foi conivente com o golpe) e alianças com o agronegócio - permaneceremos em sérios apuros. Para o jurista e filósofo marxista brasileiro Alysson Mascaro não há dúvidas que a esquerda hegemónica do Brasil na verdade é de direita, faz alianças com a direita, e se nesse momento de profunda crise as pessoas racializadas, as mulheres, a comunidade LGBTQIA+ não ocuparem as ruas para demandar coragem no sentido oposto, corre-se sérios riscos de que a perda do direito à própria existência seja cada vez mais legitimada...

Deleuze em sua obra Diálogos, de 1977, lembra-nos a importância de construirmos afetos potentes. Para o filósofo, “os poderes estabelecidos têm necessidade das nossas tristezas para fazer de nós pessoas escravizadas”. Temos que aceitar que a verdadeira política é corrupta, que o natural é mesmo a injustiça, a exclusão e que esse tipo de afeto político mantém-nos na inércia, já que não organiza o povo para outro desejo. Enquanto o medo reger as relações sociais, não haverá política social e transformação possível, pois ele tira-nos a potência para agir.

Enquanto as sondagens apontam que há possibilidade da vitória de Lula da Silva ainda no primeiro turno, devemos ter a certeza de que a luta contra o bolsonarismo e tudo aquilo que ele representa está só começando e é uma constante. Em termos políticos, não é possível abster-se, o muro sempre cai para algum lado.

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