“A congregação das produções de carvão e de aço (...) mudará o destino de regiões que há muito se dedicam ao fabrico de armas de guerra e delas têm sido as principais vítimas.” Começa assim a declaração Schuman, proferida pelo ministro dos Negócios Estrangeiros francês em 1950. Graças aos esforços de homens e mulheres como Schuman, Louise Weiss e Jean Monnet, no início, e de Willy Brandt e Jaques Delors, mais tarde, a União Europeia demonstrou ser o expoente máximo da cooperação europeia, cumprindo os objectivos a que se propôs na declaração. Começando pela indústria do carvão e do aço e alargando-se depois aos restantes sectores económicos, à política externa e ambiental, a União tem provado que cumpre aquilo que Schuman apoiava, mostrando, simultaneamente, que “a Europa não se construirá de uma só vez, nem de acordo com um plano único”.
Efectivamente, o debate europeu deve ser o estádio onde colidem as várias ideias, os vários projectos e culturas. É dessa saudável tensão que brota a União, enquanto instituição política. No entanto, e enquanto organização democrática, a UE não está capacitada, nem dotada dos instrumentos necessários para lidar com governos assumidamente nacionalistas e anti-integração europeia. Veja-se o exemplo da Hungria.
O desrespeito pelo Estado de Direito, onde às minorias são retirados direitos fundamentais, os jornalistas são postos sob escuta e os ramos executivo, judicial e legislativo se fundem numa miscelânea difícil de compreender são características de um Estado fundamentalmente contra a matriz fundadora da União. A situação é idêntica com a Polónia, multada em milhões de euros pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por questões de independência judicial. Após ter vencido as eleições legislativas de 25 de Setembro, Giorgia Meloni torna-se a mais recente eleita com posições ultra nacionalistas e proteccionistas.
Coloca-se, portanto, a seguinte questão. Será que a União Europeia (UE), enquanto organização criada na premissa da colaboração internacional e procura de diálogo, conseguirá subsistir a um aumento de governos que se apresentam assumidamente contra a instituição?
A resposta a esta questão poderá parecer bastante vaga, sendo um redondíssimo depende. À semelhança dos partidos que querem fazer frente a estas forças populistas, as instituições da UE têm, forçosamente que eliminar drasticamente as suas insuficiências, ao mesmo tempo que apresentam soluções aos cidadãos e não apenas aos executivos dos Estados-membros. Estas soluções podem ser divididas em dois ramos: a prevenção e a resolução. Comecemos pela primeira.
O funcionamento actual das instituições europeias perde, ao momento, toda a soberania que lhe é conferida, quando os seus apoios-políticos ou financeiros esbarram em Executivos com pobre funcionamento. Esta estruturação possibilita aos governos ficar com os louros quando planos são bem executados e culpar a UE quando não o são. A União, juntamente com a sua reputação e imagem política, fica, portanto, refém dos executivos da actualidade. O lugar-comum que diz que a melhor forma de combater populismos é atacar os problemas sociais que os criaram parece encaixar que nem uma luva.
Naturalmente, o ponto mais urgente será a forma como a União Europeia irá lidar com os cavalos de Tróia que já se encontram presentes no interior da sua fortificação. Órban, Meloni e Duda são, à semelhança de outros líderes populistas, bons comunicadores. Falam para as massas, não para o seu partido. Consequentemente, e à semelhança do que tem sido - e bem - feito por Ursula Von der Leyen, os dirigentes em Bruxelas e Estrasburgo não devem diabolizar governos e respectivos chefes de governo, correndo o risco de serem vistos como inimigos da pátria. Devem sim, aumentar o escrutínio sobre os Estados-membros, de forma a revelar, investigar e punir actos que desrespeitem as democracias liberais e, consequentemente, a União Europeia.
Aquilo que separa a Europa do regresso ao passado sombrio que lhe deu origem são instituições fortes. Tanto os países que a constituem, bem como a própria organização, devem estar dotados de organismos políticos e judiciais que façam frente às ameaças internas que têm surgido. Apenas estas peças, quando juntas, têm a capacidade de evitar a implosão de instituições como a UE, peça tão essencial para o desenvolvimento económico e social de países como Portugal.